sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
As Lutas Entre Liberais e Absolutistas na Madeira
Desde o início do séc. XIX, foi alastrando uma profunda quebra na produção e exportação do vinho da Madeira, agravada pela evolução tecnológica nos Transportes, através da qual a Madeira ia começando a perder posições a favor das Canárias. Até então os navios eram movidos á vela e segundo Fréderic Mauro, «le temps de la marine à voile est aussi celui du capitalisme industriel et ou les commerçants dominent toute l'économie y compris la production, du moins dans ses secteurs les plus dynamiques. Or, les commerçants commandent aussi le transport. Déjà une protoindustrialisation et une préindustrialisation permettent aux pays européens d'exporter des produits manufacturés vers l’Amérique où arrivent aussi des esclaves venus d'Afrique».
Mas, a partir dos primeiros anos do séc. XIX, como lembra Albert Silbert, «a navegação deixa pouco a pouco de depender do vento e passa a utilizar cada vez mais o vapor, perdendo a Ilha, lentamente, a sua função de placa giratória». João José Abreu de Sousa também refere esse declínio do porto do Funchal a partir da última década do séc. XVIII e acrescenta «que tal facto marca o fim das possibilidades de a estrutura comercial local, tentar acompanhar as fundas transformações económicas dos tempos modernos, em que as técnicas nos transportes não eram as de menor importância».
Maria Fátima Sequeira Dias afirma ainda, que nessa época, os interesses do capitalismo industrial e financeiro (este último apenas a partir de meados do séc. XIX) vão dominar o Mundo. Assiste-se ao domínio incontestável dos mares pela Inglaterra, fruto da sua precoce Revolução Industrial, ao advento dos novos estados na América do Sul, e à expansão lenta mas irreversível da economia dos Estados Unidos da América. «Assim o modo de produção industrial, impondo-se, veio acentuar as diferenças regionais, atirando para a miséria e o esquecimento, algumas áreas económicas bastante prósperas durante o Antigo Regime»; tal como aconteceu com o Arquipélago da Madeira.
Fréderic Mauro também corrobora esta tese, afirmando que «para além dos períodos da exploração e colonização, pode distinguir-se na história da Madeira o período da marinha de vela, que deu às Ilhas uma certa superioridade em relação aos Continentes, o período da marinha a vapor que trouxe uma situação diferente, ficando as Ilhas em desvantagem, transformando-se tudo novamente com o aparecimento do avião intercontinental, que permite ligar as Ilhas aos Continentes, diminuindo as diferenças entre uns e outros».
A potenciar as consequências desta conjuntura, o sistema dos Vínculos foi-se tornando profundamente anacrónico, travando o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação capitalista. De relembrar que além de numerosos Morgadios, nas primeiras décadas de oitocentos havia cerca de 1893 Capelas no arquipélago, a maior parte delas endividadas, chegando alguns administradores a pedir, pois os rendimentos eram insuficientes para a satisfação dos encargos.
Acresce que a partir das Guerras Napoleónicas, e da restauração da paz na Europa, também os vinhos madeirenses começaram a sofrer a concorrência das marcas francesas, espanholas e sicilianas, a baixa dos preços, o agravamento das taxas alfandegárias na Grã-Bretanha, e a deparar ainda com modificações nos hábitos dos consumidores ingleses, que passaram a preferir o Xerez. Para ilustrar esta dramática quebra do vinho e a dimensão da crise económica, basta reproduzir a média das exportações durante o séc. XIX:
1810 - 1812........................................14.000 Pipas
1821 - 1825........................................10.000.........."
1851.....................................................7.500.........."
1852 - 1862..........................................1.500.........."
1862 - 1869..........................................9.800.........."
1870.....................................................1.000.........."
1882.....................................................5.000.........."
1896 ............................................6.000.........." .
Este afundamento repentino e total da exportação e depois da produção agrícola insular, constituiu a última machadada para a ruína completa de inúmeras famílias da aristocracia fundiária que, de facto, nada mais podiam senão aguardar o completo fim dos Vínculos – o que aconteceu em 1863 – para nessa situação de desespero, poderem vender livremente as suas propriedades.
Ao mesmo tempo, as propostas liberais, difundidas sobretudo pelas numerosas lojas maçónicas, lentamente, determinavam mudanças na mentalidade dalguns sectores da população madeirense, nomeadamente uma outra concepção do Direito Sucessório e do Direito de Propriedade, acompanhada do florescimento de valores, em que se interligavam os conceitos de Individualismo, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que anunciavam a ultrapassagem dos parâmetros mentais em que assentava a Velha Ordem. De realçar que a maçonaria teve muitos adeptos na Madeira, onde foi introduzida pelo grande número de estrangeiros, nomeadamente ingleses, que desde há muito residiam e comerciavam na ilha; e ainda por alguns dos numerosos jovens, que os pais de família tinham mandado estudar e viajar na Europa, e que na vinda, traziam entranhados os ideais do Liberalismo que haviam conhecido e aprendido.
Foi nestas circunstâncias que se entrou num período de lutas fratricidas desencadeadas pelos liberais que pretendiam transformar, profundamente, a sociedade e os absolutistas que defendiam, encarniçadamente, a conservação e manutenção da Ordem e das Instituições do Antigo Regime.
Todavia, foi um pouco tardiamente e com algumas dificuldades, que foram instituídas na Madeira as reformas e a governação Liberal. De facto, logo após ter acontecido no Porto a Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, e de em 26 de Janeiro de 1821, terem sido eleitas as Cortes Extraordinárias e Constituintes, que aprovaram as Bases da futura Constituição de 23 de Setembro de 1822, um numeroso grupo de constitucionais madeirenses procurara, sub-repticiamente, criar as condições para o arquipélago aderir ao sistema de governo representativo e à revolução constitucional desencadeada na capital do Norte. Contudo, a determinação reaccionária do governador Sebastião Xavier Botelho, foi impedindo quaisquer veleidades.
Como coligimos no «Inventário do Arquivo da Marinha e Ultramar», em 21 de Setembro de 1820, esse governador oficiou para o Ministro Conde dos Arcos, dizendo que soubera por dois passageiros de um navio inglês procedente de Londres, que a revolução liberal tinha sido desencadeada, e que também tivera conhecimento do teor da Proclamação dos governadores do Reino, que asseveravam «que alguns indivíduos mal intencionados, cometeram o crime de rebelião contra o poder legítimo, e atreveram-se a constituir no Porto, um Governo Supremo do Reino».
Um dia depois Xavier Botelho voltou a oficiar, comunicando que o Cabido tinha nomeado um Cónego para governar a Diocese do Funchal até à tomada de posse dum novo Prelado; e que as primeiras notícias da revolta não haviam impressionado a população da Madeira. Todavia, «para evitar antigos conflitos e qualquer agitação, era conveniente não demorar a nomeação doutro bispo».
Em 1 de Outubro de 1820, o governador tornou a escrever ao Conde dos Arcos, comentando os assuntos políticos do Porto, e de Lisboa - onde em 17 de Setembro acontecera a proclamação do Governo Interino - e informando «que não tinha cortado relações mercantis e ordinárias com Portugal, nem fechou o porto às embarcações que dali vieram, pois alterou-se o poder político, mas subsistiu a administração de todos os ramos do Estado, com os mesmos funcionários e quadros, conservando-se a ordem geralmente estabelecida por sua Majestade». Deu ainda a conhecer as medidas preventivas que tinha tomado, «para obstar que na ilha se preparasse qualquer movimento de adesão aos revoltosos», nomeadamente uma reorganização das forças militares e a reparação das fortificações defensivas.
Em 18 de Novembro de 1820, o governador participou que o Conde de Palmela tinha chegado ao Funchal, e que lhe informara «todas as medidas de prudência que tomou», bem como que a generalidade das pessoas estavam tranquilas, embora tivessem sido espalhados alguns pasquins e cartas anónimas invocando a Constituição e o Liberalismo, pelo que pediu ao Corregedor para descobrir os seus autores. Nesse documento Xavier Botelho também comunicou que tinha decidido suspender a cobrança de alguns impostos, nomeadamente as Sisas das Benfeitorias e a Décima Funerária, medida que além de útil, se tornou necessária devido à difícil situação política e à grande depressão económica que flagelava o arquipélago.
Em 7 e 15 de Dezembro desse ano, Sebastião Xavier Botelho voltou a oficiar ao Ministério, informando que recebera uma representação das Câmaras do Funchal, Ponta do Sol, Santa Cruz e Machico, «expondo as necessidades dos povos, nomeadamente a pouca produção do vinho, as dificuldades de o exportar, e a miséria que grassava». Ao mesmo tempo, continuou a manobrar de forma tão habilidosa, que nesse mesmo mês, conseguiu que os oficiais das Milícias e as altas autoridades civis pedissem a sua recondução no cargo de governador da Madeira.
Em 16 de Janeiro de 1821, Botelho elaborou uma extensa exposição sobre a conjuntura económica do arquipélago, onde entre outros assuntos, referia que a Madeira «não tem outra riqueza senão o vinho. Contudo, enquanto durou a guerra, e os portos da França e da Espanha estavam fechados, era excelente a exportação dos bons e dos maus vinhos, mas feita a paz, aumentou bastante a concorrência dos espanhóis e franceses, pelo que estagnou a felicidade da ilha da Madeira». Por esse motivo todas as Câmaras imploravam a diminuição e a extinção de alguns tributos, a abolição das «Estufas», a proibição de importar aguardente francesa, e o privilégio do Brasil apenas importar vinho da Madeira, tudo medidas necessárias para baixar os preços de exportação e melhorar a qualidade do produto, pois de contrário «todas as classes e sobretudo os colonos se ressentirão profundamente».
O governador lembrou ainda que o aproveitamento das águas é de absoluta necessidade, pediu capitais e incentivos para a construção de Levadas; enfatizou a criação duma «Sociedade Agronómica», formada pelos comerciantes e outros agentes económicos, para com o respeito pelas Leis fomentarem o desenvolvimento da agricultura e do comércio; e reivindicou «que não seja permitido a entrada de manufacturas estrangeiras, senão por via de permutação em vinho».
Terminou, com a certeza que se houver uma forte exportação vinícola para o Brasil, «com ela se extingue a dependência em que os vassalos de Sua Majestade, nesta colónia, há tanto tempo vivem, tendo só os ingleses por exportadores e por compradores, sendo os que põem os preços, e os que em primeira mão regulam este comércio, já pelas relações mercantis, já pela facilidade de negociarem com todos os portos».
Contudo, os acontecimentos precipitar-se-iam em 23 de Janeiro de 1821, quando aportou no Funchal o correio «Leopoldina», com a informação que sua Majestade anuía às Cortes que se houvessem de celebrar em Portugal.
Então, no dia 28, foi apresentado um requerimento ao governador, assinado por 125 individualidades e entregue por uma deputação constituída pelo padre Nazianzeno Medina Vasconcelos, pelo comerciante João Nunes Viseu, e pelos capitães do Regimento de Milícias Diogo Dias de Ornelas e Vasconcelos, João Agostinho Figueirôa Albuquerque, e Francisco José Moniz Escórcio, facto que determinou a imediata anuência do governador ao regime liberal, ao mesmo tempo que mais de 7.000 pessoas, incluindo forças militares desarmadas, concentraram-se no Passeio Público e no Largo do Chafariz, fronteiro à Fortaleza de São Lourenço, depois denominado em função das ocorrências Praça da Constituição»; e perante esta forte demonstração de vontade não restou outra alternativa a Sebastião Xavier Botelho senão aderir ao novo regime liberalista, que triunfara no Reino.
Todavia, num ofício enviado para o Ministério em 1 de Fevereiro de 1821, Botelho quis deixar bem claro que tudo fizera para honrar e respeitar «o juramento dado nas mãos d’ElRei, e a obrigação, que tinha, de conservar a ilha com o mesmo sistema de governo», e que somente depois de muito pressionado e obrigado pelas circunstâncias, é que anuiu à Constituição e ao Governo Supremo do Reino.
De notar que a Câmara Municipal do Funchal manteve-se sempre à margem das iniciativas, e só renunciou e foi substituída, a contra gosto, quando a vitória do movimento liberal lhe parecia irreversível.
Nessas circunstâncias, a oposição ao liberalismo vencedor foi encabeçada de certo modo pelo padre João Crisóstomo Espínola de Macedo, e pela hierarquia católica, nomeadamente pelo Bispo de Évora e Vigário da Diocese do Funchal, Joaquim de Meneses e Ataíde, que nem compareceu ao «Te Deum» realizado na Sé para solenizar a nova situação política, e que chegou a afirmar que foi coagido pelo Governador, para assinar, como testemunha, o tradicional «Auto de Juramento», prelado absolutista que mais tarde se envolveria numa abortada intentona contra-revolucionária, facto que determinou a sua prisão e imediato envio para Lisboa a bordo dum navio inglês.
Uma das primeiras disposições praticadas por Xavier Botelho foi certificar-se sobre quais as instituições de poder a que devia obediência e, sobretudo, se eram os Tribunais Superiores do Governo Interino em Lisboa (Regência), ou os do Rio de Janeiro, (onde se instalara a Corte), que teriam a legitimidade para definir e dirimir os grandes problemas jurídicos e os negócios políticos da Madeira. Para tanto, o Governador colocou essas dúvidas ao Rei, que imediatamente louvou a sua lealdade e fidelidade, e despachou que a competência para dirimir essas questões pertencia às instituições instaladas no Brasil.
Contudo, essa solução não agradou aos interesses dos todo-poderosos ingleses que eram avessos à continuação do Reino Unido de Portugal e do Brasil; os quais, através de todos os meios, manobraram com grande habilidade; acabando por ficar assente que a Madeira e as demais possessões portuguesas no Atlântico ficariam subordinadas ao Reino e não ao Rio de Janeiro; embora com a preocupação de nunca afrontarem os desejos da Casa Real.
Todavia, com este primeiro governo liberal, apesar da Constituição de 1822, ter decretado a anexação das ilhas dos Açores e da Madeira a Portugal Continental, sob o designativo de «Ilhas Adjacentes»; nada mais de significativo alterou, permanecendo intactas as grandes dificuldades económicas e sociais insulares. Também não se verificaram grandes controvérsias, mas apenas alguns incidentes secundários, como distúrbios no Teatro e nas ruas da cidade; e uma pequena arruaça, acontecida quando - sentindo-se difamados e insultados pelos artigos do bacharel e padre João Crisóstimo Espínola de Macedo, que teria insinuado a inutilidade da tropa - um grupo de oficiais e cadetes acometeram a casa deste jornalista, que conseguiu escapar com vida de dois tiros, mas foi arrastado até o Pelourinho, onde foi amarrado e vilipendiado, criando-se um ambiente insubordinação, que só não foi mais além, em virtude desses militares terem sido prontamente presos e enviados para Lisboa, onde foram condenados a duras penas de prisão, que não chegaram a cumprir totalmente, pois mais tarde seriam soltos pelos futuros governos miguelistas.
E precisamente porque rarearam as mudanças de fundo, logo no «Patriota Funchalense» José Caetano Pita denunciava «que a sorte da infeliz Madeira é a de enteada», enquanto o padre José Manuel de Freitas Branco pregava contra os «mandões de Lisboa»; e alguns madeirenses, sobretudo absolutistas, clamavam contra «o centralismo»; todavia, sem que começassem a ser implementadas as prometidas reformas estruturais.
Toda essa agitação, acompanhada pela denúncia de casos de corrupção praticados por algumas altas autoridades madeirenses, incluindo o próprio Governador, acabou por ser suficientemente ameaçadora para a segurança dos interesses e bens dos numerosos ingleses que pontificavam na economia da Ilha, facto que determinou que a pedido do cônsul Veitch, o governo britânico, aliás como era habitual nessas circunstâncias, enviasse duas fragatas para o porto do Funchal, afim de protegerem os privilégios e conveniências dos súbditos de sua majestade britânica.
Entretanto, embora não fosse considerado um empedernido absolutista, e até constasse que tinha aderido ao Liberalismo moderado, Xavier Botelho foi perdendo a confiança do Governo de Lisboa, sobretudo por presumirem que tinha contrariado o envio de tropas do Continente para a Madeira, com a intenção de facilitar uma indesejada ocupação da Ilha por parte de elementos afectos à Corte brasileira de D. João VI, facto que nunca se confirmou.
Deste modo, em princípios de Julho de 1821, os governantes da Regência substituíram Xavier Botelho por D. Rodrigo Manuel de Mello, que depois de ter governado o arquipélago durante apenas nove meses; cedeu o cargo de Governador a António Manuel de Noronha que desembarcou no Funchal em 19 de Abril de 1822, tendo logo tomado posse no dia 22.
Todavia, esta primeira experiência Constitucional foi muito curta; pois em 20 de Julho de 1823, o novo governador António Manuel de Noronha, relatou ao Ministro da Guerra que logo que transpirara que se havia dado uma mudança de governo em Lisboa, «alguns indivíduos passaram a tirar o laço azul e branco, e as pessoas que continuaram a trazê-lo eram mal olhadas na rua pela plebe». Comunicou ainda que para evitar distúrbios, e aconselhado pelos vereadores da Câmara, solenizou a nova situação política com um Te Deum na Igreja Catedral e os vivas do costume, muito participado por pessoas de todas as classes sociais, e abrilhantado com as habituais salvas do Batalhão de Artilharia.
Um dia depois, voltou a informar ao Ministério que corriam preocupantes boatos de que os ingleses preparavam um motim, para depois as suas tropas ocuparem a Madeira, mas que fora isso, o ambiente geral na ilha era tranquilo.
Deste modo, logo que a Madeira recebeu a notícia da reacção no Reino perpetrada por D. Miguel, aderiu sem problemas de maior, e imediatamente procedeu-se à reinstalação da referida Câmara conservadora, que resistira na medida do possível à nova edilidade composta por elementos Constitucionais.
Todavia, depressa a situação foi-se deteriorando, e o Governador António Manuel Noronha passou a queixar-se da deslealdade e falta de empenho do Corregedor e da maioria dos magistrados judiciais; da constante agitação dos colonos e camponeses, da ocorrência de numerosos distúrbios, e até de melindrosos confrontos entre marinheiros portugueses e britânicos.
Agravando a situação, quer o Governador, quer uma considerável fracção de madeirenses propagavam que muitos dos grandes comerciantes, influenciados pelas lojas maçónicas e aliados ao poderoso cônsul inglês Veitch, pretendiam que a instabilidade se agravasse, com a finalidade da Inglaterra voltar a apossar-se da Madeira. De resto, no próprio Reino temia-se que ou o Império Brasileiro (que Portugal só reconheceria a sua independência em 29 de Agosto de 1825) ou o Império Britânico se preparavam para intervir no arquipélago; e por esse facto, com o protesto de reforçar a segurança das rotas comerciais, ordenaram que o navio de guerra «Tejo», permanecesse em missão de vigilância nas águas madeirenses.
Acresce que António Manuel Noronha também foi pressionado pelo irrequieto padre Macedo e pelos articulistas do periódico «Patriota Funchalense», apoiados pelo incontornável comerciante e cônsul inglês Henry Veitch, que reivindicavam a instituição dum porto «livre» e «franco» na Madeira, tal como existia nas Canárias, equipamento considerado indispensável para o desenvolvimento do arquipélago, mas que o Governador contrariava por reduzir, substancialmente, os rendimentos da Alfândega e da Ilha, e também por desconfiar que eram manobras dos ingleses para beneficiarem os seus interesses comerciais, e abrir a Madeira a um ainda maior domínio britânico.
Entretanto, em Maio de 1823, o arruaceiro padre Macedo foi preso na casa dum comerciante inglês e depois despachado para Lisboa; facto que foi fortemente criticado pelo todo poderoso cônsul Veitch, que considerava que tinham sido espezinhados os privilégios e o direito de hospitalidades de que gozavam os britânicos na Madeira; circunstância que também ampliou os atritos entre Noronha e esse representante dos ingleses, que ameaçava queixar-se a D. João VI.
Por tudo isso, o Governador além de solicitar reforços militares e navais, passou também a pedir a sua demissão; embora também conste que fazia jogo duplo, pois chegou a tentar recuperar o apoio e a confiança dos liberais, bandeando-se depois para o lado dos absolutistas, sempre interessado em manter o cargo.
Até que em 26 de Agosto de 1823, vindo a bordo da fragata «Amazonas», chegou à Madeira Manuel Portugal e Castro, novo governador nomeado pelos miguelistas, que desembarcou acompanhado e protegido por tropas do Regimento de Infantaria 7, e um destacamento do 2º de Artilharia - militares que depois se envolveram em muitas rixas com a população. Com esse governante também avançou uma forte Alçada, composta por seis desembargadores, que de imediato desencadearam uma feroz perseguição contra os liberais madeirenses, na qual se destacou o implacável Corregedor Manuel José Soares Lobão e Albergaria.
Além de numerosas prisões, todos os documentos e arquivos relativos à governação liberal, e até os termos do juramento de obediência que os empregados públicos tinham prestado, foram reduzidos a cinzas no Largo da Sé, (antes da Constituição), e nem conseguiram escapar à fúria repressiva os alicerces do monumento à Constituinte, que os liberalistas tinham pretendido levantar.
Acresce que a Lei da Censura promulgada em 1823 silenciou os jornais liberais, nomeadamente «O Patriota Funchalense», «O Pregador Imparcial», «O Atalaia da Verdade» e «O Regedor»; e que muitos madeirenses de todas classes sociais foram condenados a graves penas, nomeadamente os intelectuais como por exemplo Gregório Medina e Vasconcelos, Nicolau Caetano Bettencourt Pita (introdutor da imprensa periódica na Madeira), e o ilustre poeta Francisco de Paula Medina e Vasconcelos que acabaria por falecer no desterro em Cabo Verde, todos eles destacados liberais e sócios da «Sociedade Funchalense dos Amigos das Ciências e Artes.
No «Inventário do Arquivo da Marinha e Ultramar», podemos estudar todo o longo acórdão proferido pelo Tribunal da Devassa da Alçada, presidido pelo juiz José de Mello Freire, em que foram ouvidas cerca de 240 testemunhas e pronunciados 25 Réus, acusados, entre outros crimes, «de serem pedreiros-livres, de pertencerem à Maçonaria, de violar o dever de obediência, submissão e respeito às Reais Ordens, e de difundirem as doutrinas revolucionárias e perigosas de que os homens são todos iguais, e que o rei devia cair mais cedo ou mais tarde».
Para não nos alongarmos, diremos apenas, que foram absolvidos os Réus Feliciano Jacinto Medina e Vasconcelos e António Marcelino Gomes; mas que foram condenados, o Corregedor Francisco de Assis Saldanha, a 6 meses de prisão no Castelo de São Jorge; o padre Gregório Nazianzeno Medina e Vasconcelos a 10 anos de degredo em Angola; o médico Nicolau Caetano Pitta em 4 anos de degredo na ilha Terceira; o padre Tomé João Pestana Homem d’ElRei em 12 meses de reclusão no Seminário do Varatojo; o capitão Joaquim Melchior Gonçalves a 4 anos de degredo em Cabo Verde, o capitão Nicolau Gonçalves Henriques em 1 ano de degredo no Porto Santo; o capitão João José de Sá Bittencourt em 4 meses de prisão na Fortaleza do Pico; Tertuliano Toribio de Freitas em 6 anos de degredo em Cabo Verde; Arsénio Pompílio de Carpo em 5 anos de degredo em Cabo Verde; o capitão António João de Favila a 10 anos de degredo em Cabo Verde; Vicente Ferreira Esmeraldo a 6 anos de degredo em Cabo Verde; Raimundo Florentino de Sousa em 4 anos de degredo em Angola; Tude Fernando do Carmo em 2 anos de prisão na Fortaleza do Pico; João António Pedroso em 2 anos de degredo no Porto Santo; Pedro Júlio de Ornelas, (com apenas 17 anos de idade), em 6 meses de prisão no Forte de São Tiago; José António Oliveira em 6 meses de prisão na Fortaleza do Pico; o cadete Francisco Henriques Moniz de Ornelas em degredo por toda a vida em Moçambique; o sargento Alexandre José Joaquim de Sousa em 3 anos de degredo no Porto Santo; o cabo Tomás da Silva e Oliveira em 5 anos de degredo em Angola; o sargento António de Faria de Andrade em 8 anos de degredo em Angola; o tabelião Francisco de Paula Medina e Vasconcelos em 8 anos de degredo em Cabo Verde; e finalmente o oficial da Alfândega António Rodrigues Pereira em 2 anos de degredo em Cabo Verde.
Àqueles condenados vieram a juntar-se pouco depois o tenente Álvaro José de França, os cadetes António Joaquim Correia Alves, João Marinano, Roberto Francisco Gomes, e os soldados Joaquim José, Manuel Vieira e João Gomes Jardim, presos e pronunciados pelo Corregedor Lobão e Albergaria, pelo facto de terem aclamado a Constituição, nas Desertas, onde estavam destacados, e a cumprir serviço de vigilância.
Todavia, consta que esses militares tomaram aquela atitude em virtude de terem corrido insistentes boatos que os ingleses pretendiam assenhorar-se daquelas pequenas ilhas. De facto, as Desertas tinham sido aforadas por Luís Gonçalves da Câmara a um comerciante britânico que aí pretendia explorar plantações de urzela. Simplesmente, apesar dos numerosos litígios judiciais, os governantes absolutistas conseguiram impedir que o estrangeiro tomasse posse dessas ilhotas, receosos que fossem povoadas e declaradas colónia britânica.
Contudo, a maioria dos historiadores realçam que nunca ficou provado que naquele período os ingleses pretendessem voltar a ocupar a Madeira, ou incitassem a sua independência; pois o que lhes interessava era manter o domínio comercial, e também que as ilhas não fossem anexadas pelo Brasil, cuja independência os britânicos apoiavam e favoreciam, mas com a condição de não anexaram os territórios portugueses do Atlântico.
Entretanto, em 28 de Maio de 1824, o Governador Manuel de Portugal e Castro, informou que as notícias sobre a Abrilada, nomeadamente o atentado contra a Família Real, a demissão do Ministério e a Proclamação de D. Miguel como comandante-chefe do exército, causaram muita agitação no povo e alguns motins políticos na guarnição militar, pelo que chegara a recear graves perturbações; e em Junho de 1824, o intratável Corregedor Lobão e Albergaria proibiu que no «Teatro» do Funchal fosse representada uma peça, apenas porque num monólogo, faziam uma curta referência à Constituição.
Além das devassas e prisões, Lobão e Albergaria ainda teve tempo para enviar para o Ministério, um acintoso relatório sobre a situação geral na Madeira, onde os ingleses tinham grande poderio económico e comercial, pois eram donos de 36 sociedades, que por sua vez tinham muitos sócios, caixeiros e demais empregados; mas que, como sabemos, por vezes entravam em conflitos e rivalidades entre eles, embora se unissem, até com os madeirenses, sempre que estivesse em perigo a liberdade do comércio.
Nesse Relatório, Albergaria, começou por gabar a excelência do clima, «onde são indígenas todas as plantas do Mundo, havendo sítios que produzem chá, café, cravo, urzela e o amfião no Porto Santo». Apesar disso, a Madeira «acha-se pobre e atenuada», pois a cultura em que se emprega «é só em vinhas e muito mal cultivadas, do que resulta a falta de todos os géneros mais necessários à existência», tudo agravado por «nem sequer estar cultivada uma quinta parte da ilha».
Continua, comentando que os madeirenses «são educados e têm talento, mas o luxo, o fatal luxo, lhes tem vedado a inclinação para a agricultura e a indústria. Os próprios proprietários abandonaram as terras a colonos ignorantes, preguiçosos e descuidados, aferradíssimos aos usos que herdaram dos seus maiores, e avessos a aplicar as novas técnicas produtivas».
Informou também, que tentando desenvolver a Madeira, Dª Maria Iª criou a «Junta da Agricultura», mas os seus membros, pagos a peso de ouro, ocuparam os cargos mais importantes da administração pública, e pouco tempo dedicaram às tarefas do desenvolvimento. Contudo não lhes cabe toda a responsabilidade, pois planearam e começaram a executar uma estrada central até às montanhas, com vista a abrir uma via transversal, mas apesar de terem gasto imensos cabedais, não têm sido bem aconselhados, e as populações «não querem utilizá-la, por lhes parecer incómoda e impraticável, e se estender por altas e desertas serranias».
Lobão e Albergaria prossegue, afirmando «que o maníaco luxo dos insulanos, que pela criação inglesa têm dado mais valor aos objectos estrangeiros, quando mesmo os nacionais os excedem em bondade, é outra causa de ruína»; e acusa a «licenciosidade e a relaxação dos costumes, que até mesmo tem chamado as camponesas da aldeia em viverem ociosas pelas ruas da cidade, o que ajuda a debilitar a agricultura, por falta de braços, além de produzir a imoralidade produtora de mil males».
Termina, dizendo que a administração da Fazenda é ruinosa, e há impostos que deixaram de ser cobrados, «mostrando-se mais zelo em tirar dos cofres do que recolher neles», sendo muito urgente a vinda de um financeiro inteligente, que seja recto e imparcial, para fazer um inquérito «às irregularidades, delapidações ou prevaricações; pois os cofres estão sem um real, e os papeis e escritos em confusão, havendo motivo de supor muito cabedal extraviado». De resto será necessário «voltar a cobrar as Sizas sobre as Benfeitorias Rústicas, que nesta ilha formam o essencial de quase todo o valor dos prédios de raiz, e que por despacho arbitrário de um ex-governador se dispensou de cobrar, com grande prejuízo para a Fazenda Pública».
Esta primeira reacção absolutista, apesar de implacável, também não foi, muito duradoura, pois em Julho de 1826, D. João VI ordenou a libertação dos presos políticos, e a sua reintegração nos lugares e postos que antes ocupavam, determinando a continuação da experiência liberal.
Deste modo, logo em 9 de Agosto de 1926, o governador Manuel de Portugal e Castro, oficiou para o Reino, informando que após receber a notícia da Proclamação de 12 de Julho e do restabelecimento da Carta, mandou o Juiz de Fora convocar a Câmara, e ordenou que o Corregedor afixasse nos lugares públicos a notícia da nova situação constitucional. Referiu ainda, «que nos dias 6, 7 e 8, estiveram embandeiradas todas as Fortalezas, deram as três salvas do costume, houve a iluminação de toda a cidade, e no último dos três dias foi jurada a Carta Constitucional e celebrado o Te Deum na Igreja Catedral, a que assistiu o maior número de pessoas que ainda aqui acorreu a semelhante acto; e à noite houve teatro, com o que se concluíram esses três dias».
Em 17 de Agosto, voltou a oficiar que em resultado dos desacatos das populações contra os militares do Regimento de Infantaria 7, mandou recolher ao Reino o Major Manuel António d’Oliveira Pimentel, que embora fosse um militar distinto e cumpridor, «era o principal alvo dos ataques da populaça madeirense». E três dias depois, informa as diversas medidas que tomou para evitar qualquer rebelião, «tendo em conta o espírito irrequieto dos habitantes da Madeira».
Em 28 de Agosto torna a comunicar com o Ministério, pedindo o envio de pelo menos 1.000 homens, pois não era aconselhável utilizar os militares do Regimento de Infantaria 7, pela grande aversão que lhes tinha a população.
Até que em 5 de Outubro de 1826, com Te Deum, pompa e circunstância, realizou-se a eleição dos deputados pela Madeira às Cortes Gerais, tendo sido eleitos Pimenta de Aguiar, Lourenço José Moniz, o padre Caetano Soares e Luís Monteiro; os quais criaram uma «Comissão Especial» para tratar dos interesses específicos do Arquipélago, conseguindo que fosse aprovada a construção dum porto na Baía de Abra na freguesia do Caniço e um molhe junto à Alfândega do Funchal. Nada mais conseguiram, apesar do deputado Lourenço José Moniz ter reivindicado a plena liberdade do comércio para o vinho e mercadorias de retorno, e o deputado padre Caetano Soares, ter chegado a lamentar e a acusar com grande veemência, o facto de durante séculos, o Reino ter tirado avultadas somas de dinheiro da Madeira, dando muito pouco em troca.
Em Abril de 1827, Manuel Portugal e Castro, foi substituído pelo novo Governador José Lúcio Travassos Valdez, que tinha todo o apoio do antigo governador da Madeira António Manuel de Noronha, que entretanto fora nomeado Ministro da Marinha e do Ultramar.
Pouco depois Travassos Valdez oficiou para o Reino, dando conta do calamitoso estado resultante da quebra na exportação do vinho resultante da diminuição da qualidade proveniente da utilização das famigeradas «estufas» montadas na ilha pelos ingleses, de diversos problemas resultantes da monocultura da vinha, do profundo atraso da agricultura madeirense, e ainda sobre a crónica falta de numerário; temas que também foram analisados no «Funchalense Liberal», dirigido por José Maria Martiniano da Fonseca, cujo primeiro número foi publicado no Funchal, em 3 de Fevereiro de 1827.
Todavia, o Rei faleceu em fins de 1826, numa altura em que grassava uma grande agitação por todo o País, acompanhada de forte crise económica, determinada sobretudo pela independência do Brasil, em 1822.
Então, apesar de ter jurado a Carta Constitucional, D. Miguel, em princípios de 1828, dissolveu as Câmaras e proclamou novamente o Regime Absoluto, que desta vez foi muito contrariado na Madeira e nos Açores.
Na verdade, Lúcio Travassos Valdez, constitucional convicto, desobedecendo ao Rei, prendeu cerca de 20 padres miguelistas, e tentou opor-se à ocupação da Ilha pelas tropas absolutistas; apesar de ter enfrentado alguns motins levados a efeito por alguns fanáticos miguelistas, nomeadamente na costa Norte da Madeira, onde centenas de colonos e camponeses lutaram contra as forças militares, tendo sofrido dois mortos e nove feridos.
Por outro lado, os adeptos de D. Miguel, fortalecidos pela política ambígua da Santa Sé, que foi um dos únicos cinco Estados que reconheceram aquele monarca, e integrados no chamado «Partido dos Apostólicos», liderados pelo Bispo da Diocese, com os seus poderosos tentáculos por toda a Ilha, os párocos e outros clérigos, espiavam, tanto na cidade como no campo os actos do Governador, que prudentemente, ia dedicando toda a atenção que lhe era possível às defesas da Ilha, e dirigiu aos soldados e à população manifestos que reiteravam a sua fidelidade a D. Pedro, a Dª Maria da Glória e à Corte Constitucional de 1826.
Ao mesmo tempo Travassos Valdez apelava a D. Pedro, para que lhe enviasse urgentemente, homens armados e experimentados, dinheiro, munições e tecnologia militar; e com o auxílio do cônsul inglês Veitch, enviou a Londres o brigadeiro Rebelo Palhares, para ajudar na urgente tarefa de garantir esses reforços, absolutamente necessários para manter a Madeira livre do absolutismo.
Nessa época, a população madeirense rondava os 110.000 habitantes, e apesar dos esforços do Governador, as forças militares estavam, duma forma geral, mal armadas e bastante indisciplinadas. Naquelas difíceis condições, em 25 de Junho de 1828, surgiu na baía do Funchal a fragata «Príncipe Real», trazendo a bordo um novo Governador, juízes e outras autoridades absolutistas que, intimidados por Valdêz, tiveram que regressar a Lisboa.
Por esse facto, em 28 de Julho, D. Miguel decretou o bloqueio do porto do Funchal, que foi cercado por uma flotilha naval, cerco depressa levantado em consequência dos protestos do Cônsul britânico. Aliviado, o Governador reforçou a vigilância, através de três canhoneiras à vela, que patrulhavam a costa, e também intensificou o reforço das fortificações, desde Câmara de Lobos ao Caniçal. Todavia, apesar do seu empenhamento, no princípio de Agosto de 1828, somente dispunha de 7.500 soldados, bisonhos e mal armados, tendo apenas chegado da Inglaterra cinco oficiais com experiência de combate.
Entretanto, enquanto que por efeito duma série de atrasos e dificuldades tardavam a chegar à Madeira os reforços encarecidamente pedidos por Travassos Valdez, nomeadamente por morosidades e atrasos no embarque de material e homens na fragata brasileira «Isabel», e ainda pela melhoria das relações entre os miguelistas e o novo governo britânico de Wellington; o certo é que no dia 9 de Agosto de 1828, saía rapidamente de Lisboa outra poderosa esquadra miguelista, que se aproximou da Ilha no dia 15 desse mês, constituída por nove navios de guerra à vela, com cerca de 1.430 militares, além da guarnição da frota, comandados pelo Coronel José António de Azevedo Lemos.
Depois de no dia 16 fazerem várias ameaças à cidade e uma simulação de desembarque na Praia Formosa, na tarde do dia 18, a esquadra saiu da baía do Funchal em reconhecimento da costa leste até Santa Cruz. No dia 20 estava novamente ao largo da capital, mas em 21 voltou a navegar para o Leste da Ilha, tendo um dos navios ido em reconhecimento da baía do Porto Novo, donde foi obrigado a vir de volta, devido ao fogo que sobre ele despejou o Forte aí edificado.
Na manhã de 22 de Agosto, a esquadra surgiu diante de Machico, com a intenção de simular o desembarque que estava previsto ser feito no Caniçal. O bergantim «D. Sebastião» entrou na baía, mas foi de imediato interceptado por uma barreira de fogo cruzado dos três fortes que defendiam a vila, que chegaram a atingir a embarcação e a obrigaram a retirar-se com algumas avarias.
Então, segundo refere o historiador madeirense Lourenço de Freitas, o almirante Sousa Prego «mandou avançar a nau «D. João VI», que apenas com três tiros de canhão em cheio sobre o «Forte de São João Baptista», põe em debandada a guarnição. Contudo o «Forte de Nossa Senhora do Amparo», graças à bravura do tenente Francisco de Paula Lima e do furriel Francisco Pacheco Guimarães continuou a fazer fogo», apesar de sobre ele terem caído mais de 500 balas. Todavia, acabaram-se as munições, pelo que mesmo tendo chegado a atingir a «D. João VI», o Forte teve que ser abandonado pela guarnição, tal como aconteceu pouco depois com o «Forte de São Roque».
Silenciados esses baluartes de Machico, a esquadra abriu fogo contra as tropas comandadas pelo tenente Brito, que estavam estacionadas na Queimada, as quais fugiram em debandada. Ainda acorreu uma pequena força de Infantaria, comandada pelo experimentado Schwalback, mas face à superioridade dos miguelistas, acabou por retirar para posições defensivas, agora no Porto Novo.
Nessa altura, as tropas absolutistas desembarcaram, facilmente, em Machico e horas depois já estavam em Santa Cruz, preparando-se para avançar e invadir o Funchal. Do seu novo quartel nas Voltas do Porto Novo, Schwalback pediu reforços e apoiou-se na artilharia do Forte para deter o inimigo, apesar de parte da tropa fugir à calada da noite. Num primeiro embate, algumas das suas unidades comandadas pelo Major Figueirôa, conseguiram fazer recuar a frente do exército invasor, cortando-lhes o avanço. Contudo, a armada miguelista bombardeou a «Fortaleza do Porto Novo» e um tiro de canhão foi atingir o paiol, originando forte explosão, seguida de outra nas baterias de Figueirôa. Então, grande confusão se gerou nas posições madeirenses, com alguns mortos e feridos, entre eles Schwalback, pelo que os soldados, vendo ferido o seu Comandante, debandaram completamente.
Travassos Valdez ainda ordenou a retirada total em direcção à cidade, onde esperava resistir, mas a grande maioria dos soldados continuou a desertar para as serras, apenas lhe restando, fugir para bordo da fragata inglesa Alligator; acompanhado pelo Juiz de Fora, o Corregedor, o Deão, os Coronéis Accioli, Albuquerque e Partone, os Majores Escórcio e Figueirôa, o capitão Monteiro, o tenente Bittencourt, o comendador Bettencourt, e ainda João Carvalhal e dois sobrinhos deste.
Resta vincar que somente depois de ter sido muito instado pelo cônsul britânico Henry Veitch, simpatizante do Liberalismo, e que actuou completamente à revelia do Governo inglês (facto que mais tarde determinou a sua substituição por Foster), é que o comandante da fragata britânica, que inicialmente tentou impedir que as forças de Valdez se refugiassem no seu navio, decidiu conceder asilo aos liberais foragidos da senha vingativa da nova Alçada miguelista.
Quanto a Travassos Valdez, somos de parecer que correu todos os ricos e tudo fez para defender a «causa» liberal, e que só se rendeu e pediu asilo na «Aligator» por não vislumbrar possibilidades de vitória em virtude da fragilidade das suas tropas; e ainda para evitar que o Funchal fosse bombardeado pelos navios da armada absolutista, e destruído pelos combates urbanos contra as poderosas forças comandadas por Azevedo Lemos.
Por outro lado, a sua corajosa resistência permitiu ganhar tempo para que a Ilha Terceira se fortificasse e até recebesse o material de guerra e as forças militares pedidas por Rebelo Palhares, que tardaram a chegar à Madeira; permitindo dessa forma que na Terceira e mais tarde em São Miguel a heróica resistência liberal vencesse as hostes miguelistas, e obtivesse êxito total.
Deste modo, na tarde do dia 28 de Agosto de 1828, o exército miguelista triunfante - cujos soldados muitas vezes também se envolveriam em arruaças contra a população - entrou ruidosamente no Funchal, entoando vivas ao senhor D. Miguel, e imediatamente foram ocupar os Fortes e Quartéis. No dia seguinte, com o TE Dem e as festividades da praxe, o absolutista João Maria Monteiro tomou posse do governo da Madeira, seguindo-se as devassas e o terror, com centenas de mortes, prisões, deportações e sequestros de pessoas e bens.
O novo governador saneou todos os quadros liberais da administração civil, judicial e militar, nomeou os novos dirigentes miguelistas, reformou as unidades militares com oficiais da sua confiança, encetou a formação do «Corpo de Voluntários Realistas», deu início à perseguição dos foragidos nas serras, e apesar de ter afirmado que estavam asseguradas aos súbditos britânicos todas as garantias e privilégios que gozavam em Portugal, em observância dos antigos e sólidos tratados de aliança, manobrou com astúcia, e conseguiu que, meses depois, o Cônsul inglês Henrique Veitch, fosse temporariamente substituído por outro diplomata, invocando a sua reiterada prática de atribuir o direito de asilo a insulares compreendidos na Alçada.
E numa Proclamação aos madeirenses o Governador, raivosamente, vociferou: - «Se continuar o espírito liberal, soltarei o raio da justiça e pelo horror do trovão ficarão soterrados os perturbadores, e o golpe fatal do raio não deixará mais existir um só revolucionário entre vós».
Calcula-se que, após terem sido presos e enviados para o Continente, pelo déspota João Maria Monteiro, foram executados mais de 120 liberais madeirenses, sendo certo que apesar do comportamento mais humano de D. Álvaro da Costa de Sousa Macedo, governador que lhe sucedeu, a repressão e um clima de grande terror, abalou profundamente o quotidiano das populações da Madeira durante todo esse período, em que os frades miguelistas ganharam a confiança dos colonos, prometendo-lhes, como sabemos, que ficariam com as terras dos liberais, e não pagariam aos senhorios metade da produção das suas glebas, circunstância que determinou muitos assaltos e destruições das casas e fazendas dos constitucionalistas.
Na verdade, foi num ambiente conturbado, conflituoso, marcado por panfletos e pasquins invocando a Constituição, e minado por diversos conflitos entre as autoridades absolutistas e alguns ingleses que concederam que nas suas casas se asilassem muitos madeirenses liberais, que no dia 30 de Março de 1830 chegou ao Funchal o novo governador, brigadeiro D. Álvaro da Costa de Sousa Macedo, acompanhado por duas companhias de Caçadores.
O novo Governador, embora tivesse deixado muito claro que não toleraria e puniria severamente qualquer tentativa para reivindicar o Liberalismo, e imediatamente procurasse reforçar as fortificações e a disciplina dos militares, procurou actuar com mais prudência e moderação do que o seu sanguinário antecessor. Todavia, não se absteve de ordenar o embarque para Lisboa de alguns oficiais em quem não depositava confiança; permitiu que a «Junta de Justiça» suspendesse cerca de vinte funcionários administrativos suspeitos de serem constitucionalistas, e também não evitou que os padres miguelistas continuassem a pregar a caça violenta contra os «malhados». Ao mesmo tempo reforçou a vigilância sobre as actividades dos ingleses, pois corriam boatos que muitos deles apoiariam a invasão da ilha por forças liberais provenientes dos Açores.
Um dos problemas mais difíceis que Álvaro da Costa Macedo enfrentou e que determinou alguns conflitos com os mercadores madeirenses e ingleses, foi a revisão da «Pauta Alfandegária», requerida pelos comerciantes, sobretudo britânicos, contra a Pauta que então vigorava em Lisboa e que foi estendida à Madeira, revogando algumas cláusulas do «Tratado de Comércio» de 1801; passando a taxar, fortemente, as importações, sobretudo de manufacturas inglesas. Esses mercadores acusavam o Governador de atrasar a solução do problema, e de ter boicotado junto do governo da capital essa tão desejada revisão, criando melindrosos atritos que demoraram alguns anos a ser resolvidos, como veremos.
Entretanto o mal-estar agravou-se em virtude do porto do Funchal ser frequentemente visitado por navios de guerra ingleses, alegadamente para tranquilizar os súbditos britânicos, mas que as autoridades absolutistas suspeitavam de terem ligações com os liberais açorianos, ou até de estarem preparando uma invasão da Madeira; tendo até ocorrido uma situação bastante delicada, quando a fragata inglesa «Ariadne», ao entrar na baía da cidade, foi alvejada pela bateria do «Forte do Ilhéu», facto que ocasionou fortes protestos do cônsul Porter que participou a ocorrência ao Almirantado, acabando com o Governador Costa Macedo, a reprovar a precipitação dos artilheiros, mas esclarecendo que tudo não passou de dois tiros de aviso contra uma embarcação que persistia dirigir-se à fragata, antes de se ter realizado a competente «visita de saúde»; e que, portanto, não tinha havido qualquer intenção de molestar o vaso de guerra britânico.
A instabilidade aumentou ainda mas quando o cônsul Henry Veitch, que era tido como simpatizante do Liberalismo, reiniciou as suas funções na Madeira e, sobretudo, a partir de 30 de Março de 1832, dia em que a fragata «D.ª Maria II», a escuna «Ilha Terceira» e o bergantim «Conde de Vila Flor», comandados pelo almirante George Sartorious, manobraram de forma a bloquear o porto do Funchal, ostentando inicialmente a bandeira inglesa, substituída à entrada da baía pela azul e branca.
Depois de algumas diligências Sartorious, por intermédio do comandante da fragata inglesa «Briton», enviou uma mensagem a Álvaro da Costa Macedo convidando-o a reconhecer a Regência de D. Pedro, e a entregar a Ilha. Todavia, O Governador nem se dignou responder-lhe, e com grande determinação preparou-se para defender o arquipélago.
Três dias depois Sartorius regressou aos Açores a bordo da fragata «Dª Maria II», enquanto os outros dois navios dirigiram-se ao Porto Santo, onde uma pequena unidade ocupou essa ilha durante semanas.
Em consequência desse incómodo bloqueio, que chegou a preocupar e prejudicar os comerciantes da Madeira, depressa fundeou no Funchal outra fragata inglesa e o navio de guerra norte-americano «Constelattion», aparentemente para sossegar os mercadores ingleses e madeirenses. Nessas circunstâncias o cônsul Veitch partiu para o Porto Santo, onde conseguiu conferenciar com o comandante do «Conde de Vila Flor», nomeadamente sobre os prejuízos para o comércio, tendo conseguido que o bloqueio fosse levantado.
Em fins de Junho, novamente o Porto Santo foi invadido por forças liberais reforçadas com mercenários ingleses, que chegaram a desembarcar no Caniçal, mas depressa os invasores abandonaram o arquipélago, e até 1834 tudo voltou a uma paz podre, pois depressa os liberais chegaram à conclusão que seria muito difícil ocupar a Madeira, uma vez que a ilha estava fortemente protegida e defendida, por forças regulares superiores a 2.500 militares, e milícias estimadas em 3.500 homens, bem armados e disciplinados, sob o comando do Governador e brioso militar, brigadeiro D. Álvaro da Costa Macedo.
Todavia, a situação continuava bastante melindrosa e insegura, pois o porto do Funchal passou a ser frequentemente visitado por vasos de guerra portugueses, ingleses, norte-americanos e até franceses, todos alegadamente para defender os interesses do comércio…
Entretanto, em 27 de Junho de 1832, zarpou de São Miguel uma poderosa esquadra comandada pelo almirante George Sartorious, que se dirigiu para o Reino, onde as forças liberais acabaram por desembarcar em Mindelo, e rapidamente ocuparam a cidade do Porto, iniciando uma feroz guerra civil em terra e também no mar, onde a armada miguelista foi completamente derrotada em 5 de Julho de 1833, na célebre «Batalha do Cabo de São Vicente»; criando condições para que, em 24 de Julho, as forças liberais comandadas pelo Duque da Terceira se apoderassem de Lisboa, e também do Algarve.
Todos estes factos preocupavam o governador, embora D. Álvaro da Costa Macedo continuasse a resistir com firmeza, manifestando a Veitch a sua indignação pelos liberalistas usarem, descaradamente, a bandeira inglesa nos seus navios; e chegando até a auxiliar o seu irmão, que enfrentava extremas dificuldades no governo de Cabo Verde, para onde conseguiu que fossem enviados alimentos e outros apoios logísticos.
Por outro lado, as notícias do que se passava no Reino determinavam um aumento da agitação, das desordens e das agressões por parte das temíveis patrulhas miguelistas contra madeirenses e ingleses suspeitos de serem «malhados»; enquanto o Governador reforçava as defesas da cidade, mandando abater o edifício onde assentava o «Teatro Grande» e outras casas junto do «Palácio de São Lourenço», afim de optimizar a eficiência da artilharia desse forte; tendo a sua grande lealdade e dedicação à «causa» sido reconhecida por D. Miguel, que o distinguiu com o honroso título de «Conde da Madeira».
Finalmente, em 27 de Maio de 1834, baqueou o sanguinário regime absolutista, após a assinatura da «Convenção de Évora Monte», firmada pelo lado dos miguelistas por Azevedo Lemos (que tinha comandado as forças de ocupação contra Travassos Valdez); e pela banda dos liberais, por Saldanha e Terceira, a qual pôs fim à guerra civil no Continente, e ordenou a expulsão de D. Miguel, consolidando a vitória dos Liberais.
Um dia depois desse histórico acontecimento, arribou à baía do Funchal a fragata liberal «D. Pedro», comandada por Henry Bertrand, para negociar a rendição incondicional do Governador e convidá-lo a proclamar a Rainha e a Carta; mas com quem D. Álvaro da Costa Macedo, ciente do seu poderio militar e sempre fiel a D. Miguel recusou estabelecer qualquer contacto; pelo que esse vaso de guerra manobrou de forma a iniciar o bloqueio da Madeira.
Passados dois dias, a pedido de numerosos comerciantes ingleses, e autorizado pelo Governador, o cônsul Veitch dirigiu-se à fragata, onde conferenciou com Bertrand, que lhe deu uma carta de D. Pedro para ser entregue a D. Álvaro, intimando-o para no prazo de três dias reconhecer a Rainha; ao mesmo tempo que garantiu que o bloqueio não era extensível às transacções comerciais dos britânicos, desde que as mercadorias fossem transportadas por navios neutros.
Nestas circunstâncias, após muitas hesitações e aconselhado pelo cônsul britânico e outras personalidades, o governador Álvaro da Costa Macedo, depois de garantir a ordem pública, disponibilizou-se a reconhecer Dª Maria II, cuja autoridade, já estava declarada em todo o Reino, pela força das armas e com muito apoio do povo.
Deste modo, porque nada mais poderia fazer, em 5 de Junho, o Governador mandou registar essa Carta Régia; e no dia seguinte jurou fidelidade à Rainha e à Carta e, deu ordens para que as Câmaras Municipais solenizarem durante três dias a nova situação, jurando a Carta Constitucional e fidelidade à Rainha.
Ao mesmo tempo desembarcaram as unidades militares comandadas por Bertrand, foram soltos os presos políticos, o bispo e alguns frades miguelistas refugiaram-se na fragata; e sem haver caça aos absolutistas, o Funchal celebrou os acontecimentos, com as varandas e mirantes engrinaldados com a bandeira azul e branca, e o povo festejando nas ruas dando vivas à Rainha e à Carta.
De notar que o «Conde da Madeira» continuou a exercer o cargo de Governador e a garantir a tranquilidade pública até meados de Julho, data em que embarcou para o estrangeiro, depois de presidir às transições de poderes e de ceder o cargo a um colectivo formado pelo capitão Henry Bertrand, o corregedor Francisco Rodrigues Nogueira, e Eloi Nery da Silva, provisor do bispado.
Todavia, ainda se verificaram motins nalgumas freguesias, nomeadamente um enorme tumulto na Calheta, que causou grandes destruições, 34 mortos e muitos feridos. No rescaldo desses acontecimentos, oito revoltosos foram condenados ao degredo perpétuo em Angola, entre eles o padre absolutista Rodrigues Pestana, que segundo consta foi um dos principais responsáveis desses acontecimentos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário