sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Rui Firmino Faria Nepomuceno - Guerra Colonial - Angola - Companhia de Caçadores 167


Quando em Abril de 1961 fui convocado para me apresentar no «Regimento de Infantaria nº4», em Faro, para comandar um pelotão da «Companhia de Caçadores 167», comandada pelo então capitão Mário Firmino Miguel, mobilizada para combater em Angola; após uma curta hesitação determinada pelo facto de já ser um defensor dos direitos dos povos à Autodeterminação e à Independência, decidi partir para essa guerra e não refugiar-me no estrangeiro, porque entendi que tinha o dever de ser solidário e acompanhar os jovens da minha geração que abalavam para as colónias ao serviço de Portugal e das Forças Armadas Portuguesas.

Deste modo, integrado no Batalhão de Caçadores 159, chefiado pelo tenente-coronel madeirense Carlos Fernando Teixeira da Câmara Lomelino (que faleceria no «Colonato do Vale do Loge» em 12 de Outubro de 1961, num trágico acidente em que foi decapitado pela hélice do avião donde acabara de apear-se), embarquei no porto de Lisboa, a bordo do navio «Vera Cruz», a 28 de Junho de 1961, tendo chegado em Luanda no dia 7 de Julho; e só tendo regressado definitivamente a casa em 9 de Dezembro de 1963, ou seja dois anos e meio depois.

Assim, com apenas 25 anos de idade comandei em terras angolanas, o 1º pelotão da «Companhia de Caçadores 167»; e vinte meses depois, não obstante estarmos em combate e ainda ser muito jovem, passei a comandar essa Companhia, em substituição do heróico e brilhante militar que foi o capitão Mário Firmino Miguel, que regressou à metrópole para frequentar o curso do Estado Maior do Exército, e que faleceria, em 1991, com o posto de general, num funesto acidente de viação ocorrido na marginal de Cascais.

Após um mês de operações nos arredores de Luanda, nomeadamente no «Grafanil», «Viana», «Catete», «Cassoneca», «Tonhe-Ia- Xira», «Tender- Ia- Xico» e «Vale do Rio Calucala», onde amargamos o «baptismo de fogo» e carpimos a primeira morte em combate dum camarada do Batalhão; em 12 de Agosto de 1961, partimos para o Norte de Angola, passando por «Ambriz», «Quibala» até ao «Toto».

Daí a «Companhia de Caçadores 167», depois duma silenciosa progressão nocturna a pé, conquistou, de surpresa, o «Colonato do Vale do Loge», fazendo alguns prisioneiros, mas sem destruir o Hospital e cerca de uma centena de casas, dos seus infelizes habitantes, que se refugiaram nas florestas, sem mortos, porque decidimos não os flagelar com as nossas armas pesadas.

Permanecemos alguns meses nessa região onde sofremos muitas emboscadas, e bastantes baixas em combate, nas contínuas patrulhas que realizávamos a pé ou em viaturas, nas «picadas» e no «mato» dos arredores do «Vale do Loge», «Nova Caipemba» «São José do Encoje», «Bembe» e «Rio Lufua». De todas essas penosas acções jamais esqueceremos mais de três horas debaixo de fogo cerrado disparado do alto de três zonas, com as nossas forças encurraladas nas margens do «Rio Loge», onde sofremos mortes e feridos, e se notabilizou o heroísmo de muitos camaradas, nomeadamente a secção de morteiros, e a valentia e notáveis qualidades de chefia do querido comandante e camarada Mário Firmino Miguel, que mais tarde seria condecorado com a «Medalha de Prata de Valor Militar Com Palma».

A partir de Fevereiro de 1962, durante cerca de quatro meses, amargamos os tormentos e perigos de muitas emboscadas e pelejas em torno de «Quipedro», «Rio Lué» e «Forte República», até que depois de passado mais dum ano de combates regressamos a Luanda, com a esperança de sermos destacados para uma região mais pacífica.

Nessas circunstâncias, vim de férias a Lisboa, onde casei, e trouxe a minha jovem esposa para Angola. Todavia, em Julho de 1962, inesperadamente, a minha Companhia foi novamente enviada para o «caldeirão» do Congo, para onde, contra a minha vontade, a minha corajosa cônjuge Aida Maria de Brito Figueirôa Teixeira Góis Nepomuceno fez questão de ir ter comigo; tendo sido uma das únicas mulheres portuguesas que sofreram os rigores e os riscos das frentes de guerra no Norte de Angola, mesmo depois de ter nascido a nossa filha mais velha.

Durante mais de seis meses voltamos a ser flagelados por numerosas emboscadas com baixas, e também passamos a sofrer o flagelo do rebentamento de minas colocadas nas «picadas» dos arredores do «Ambrizete», «Casa da Telha», «Tomboco» «M´Pozo», «Rio Lucunga» e «Lufico».

Por fim, os últimos meses da nossa longa comissão em terras de Angola foram passados nas regiões mais tranquilas, de «Cacuso», «Malange», «Pungo Adongo», e minas do «Saia» e da «Quitota».

Ainda hoje e enquanto for vivo, tenho no coração e na lembrança todos os queridos oficiais, sargentos e soldados da minha «Companhia de Caçadores 167», e de forma muito especial e carinhosa, recordo os mortos em combate: - alferes Paulo de Freitas Barros, furriel António Mendes Ribeiro, e soldados Amilcar dos Santos Marreiros e Custódio Alves; e ainda os feridos em acção: - furriel José do Vale da Silva, 1º cabo Álvaro Luís Ventura, e os soldados José Bernardo Albano, José Manuel Cavaco Coelho, David Arcanjo das Neves Mendonça, José Manuel Caliço Garrão, Paulino Soares, Armando dos Reis Duarte Milho, e Ivo Severiano.

Termino afirmando que apesar de haver estado 31 vezes «debaixo de fogo» e ter visto morrer alguns dos meus queridos camaradas, ceifados pelas balas dum «inimigo» que bem sabia que lutava pelos direitos do seu povo; e embora tivesse sofrido os limites mais fundos do perigo, da violência, da angústia, da ansiedade, da fome, da sede e do cansaço; continuo a pensar que cumpri o meu dever para com o País, lamentando apenas que tantas vidas tivessem sido sacrificadas numa guerra cruel, que nunca devia ter acontecido.

E é precisamente em sentida homenagem aos bravos e queridos camaradas da «Companhia de Caçadores 167», que após folhear o meu velho álbum de recordações de guerra, divulgarei algumas fotografias desses tempos conturbados, expressando o desejo que a juventude da minha terra preserve a Paz, e cultive para sempre, o respeito pela Autodeterminação dos povos de todo o mundo.

1 comentário:

  1. Belo texto! E notável realismo na apreciação dos quês e porquês, daquela guerra que marcou uma geração. José Castilho Alf. Milº Sap. do BCaç 3849 / Noqui

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