segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Horácio Bento de Gouveia e a Escola Neo-Realista Lusa


Horácio Bento de Gouveia nasceu em 5 de Setembro de 1901, na freguesia da Ponta Delgada, do concelho de São Vicente, e faleceu no Funchal em 23 de Maio de 1983. Era filho de Francisco Bento de Gouveia e de D.ª Firmina Matilde de Ornellas Bento de Gouveia; e em 1930, terminou a sua licenciatura em Ciências Históricas e Geográficas na Faculdade de Letras da «Universidade de Lisboa»; tendo sido durante muitos anos professor do ensino secundário, primeiro no Continente, nomeadamente nos liceus «Passos Manuel» e «D. João de Castro»; e depois no «Liceu Jaime Moniz» do Funchal, onde leccionou grande parte da sua vida.
Foi um notável jornalista que colaborou em muitos jornais e revistas, nomeadamente no «Diário de Notícias»; no «Diário da Madeira», no «Jornal da Madeira», e na revista cultural «Das Artes e da História da Madeira».
Foi ainda um dos maiores, senão o maior romancista e novelista da História da Literatura do Arquipélago da Madeira, estando para esta ilha «como Vitorino Nemésio está para os Açores, e Aquilino Ribeiro para Portugal», conforme, muito bem, apontou a sua filha Dr.ª Maria de Fátima Madureira de Ornellas de Gouveia Soares, que tem investigado, recolhido e publicado os numerosos escritos jornalísticos do seu pai.
Em 1932, Horácio Bento de Gouveia publicou «Aspectos Históricos-Geográficos da Ilha da Madeira»; e «Aspectos da Moderna Literatura Brasileira», trabalhos muito relacionados à sua actividade de professor, com um brilhante prefácio de Hernani Cidade, que analisou, distinguiu e dissertou sobre os conceitos de jornalista e escritor.
Nos princípios de 1949, prefaciado por Aquilino Ribeiro, surgiu a 1ª edição dos «Ilhéus», onde com muita coragem denunciou o injusto Contrato de Colonia e a situação de grande opressão e exploração imposta por certos senhorios aos caseiros madeirenses. Na 3ª edição desse romance, surgida em 1976, Horácio Bento de Gouveia, além de ter incluído passagens que antes tinham sido eliminadas pela censura, deu-lhe o nome de «Canga», título original que sempre tinha desejado para aquele livro, mas que fora proibido pelos censores.
Durante 1959, divulgou o romance «Lágrimas Correndo Mundo», onde salientou diversos aspectos e perspectivas relacionadas com a indústria de bordados da Madeira, e se debruçou sobre a vida dura e difícil das grandes obreiras e artistas que foram as bordadeiras do campo e da cidade.
Em 1963, com um prefácio do Dr. Carlos Lélis, veio à luz o romance «Águas Mansas», onde pulsa a vida dos estudantes madeirenses nas Universidades continentais, em busca duma licenciatura que lhes permitisse alcançar um marcante estatuto social e uma carreira garantida.
No ano de 1966, Horácio Bento de Gouveia editou o livro de crónicas «Canhenhos da Ilha», superiormente ilustrado por António Aragão Mendes Correia; e em 1972, os contos «Alma Negra e Outras Almas», nos quais aliou a ficção, ao registo de viagens, e à biografia de alguns escritores.
Em 1979, saiu o romance «Torna Viajem», onde o nosso escritor estudou a temática da emigração e os seus envolvimentos económicos e sociais; a 1980, lançou o romance urbano «Margareta», e em 1982, a DRAC publicou a obra póstuma «Luísa Marta», que é uma novela de ficção e memórias.

Alguns eruditos influenciados pela apressada leitura da sua obra-prima que é o romance «Ilhéus/Ganga»; e também pela denúncia da opressão e exploração das bordadeiras, bem patente em «Lágrimas Correndo Mundo», classificaram Horácio Bento de Gouveia como um seguidor da escola neo-realista portuguesa, que teve como principais cultores Fernando Namora, Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Álvaro Cunhal, Manuel da Fonseca, Antunes da Silva, Alexandre Cabral, José Rodrigues Migueis, e alguns outros escritores de maior ou menor mérito.
Todavia, afirmamos, liminarmente, e sem qualquer hesitação, que apesar de algumas claras afinidades com aqueles autores, o romancista madeirense não poderá ser classificado como um cultor dessa escola literária.
Desde logo porque todos os neo-realistas lusos professaram a ideologia marxista, adoptaram como guia filosófico os princípios do materialismo dialéctico, e como visão histórica, a progressiva luta de classes, que num processo dialéctico e científico, encaminharia a humanidade para um futuro de inevitável vitória do socialismo, a caminho do comunismo.
Por outro lado, apesar das diferentes sensibilidades artísticas de cada um deles, das variadas influências culturais bem patentes na forma diversificada como abordavam o real, e não obstante o rigor estético que imprimiram às suas obras literárias, o certo é que em todos os neo-realistas portugueses encontramos o denominador comum da resistência ao fascismo e ao salazarismo, a denúncia da exploração, das injustiças sociais, e, sobretudo, a intenção de pela escrita, contribuírem, activamente, para a transformação da sociedade e da vida política, económica, social e cultural do País.
De facto, logo em 1930, na revista «Seara Nova», José Rodrigues Miguéis dava o mote ao escrever que os intelectuais se deviam deixar «penetrar dum espírito novo, duma disciplina social, duma intenção de servir; e do dever de passar das afirmações doutrinais à acção, das camarilhas, tertúlias e academias para a atmosfera acre e fértil das massas». Incentivava ainda os escritores, para que tivessem «a coragem de reconhecer que os ideais, as doutrinas, e as teorias sociais não podem ser um refúgio da inteligência em conflito com as realidades, mas um poderoso instrumento sobre as mesmas».
No mesmo sentido o grande romancista Romain Rolland - muito seguido e benquisto por todos os neo-realistas portugueses - propagaria «que todo o pensamento que não age ou é um aborto ou uma traição, (...) pois quem vê a injustiça e o crime, e se abstém de os combater, aos mesmos se associa»...
Ora, ao contrário ds escritores neo-realistas, Horácio Bento de Gouveia, aderiu ao corporativismo, tendo até militado na União Nacional. Acresce que abraçava uma filosofia idealista, embora com certos laivos dum humanismo de matriz presencista, de pendor regionalista, e de materialismo libertino e individualista ao jeito do seu amigo Aquilino Ribeiro; navegando entre o primitivo modernismo e a tradição, e quedando-se enlaçado no predominante tronco naturalista da literatura portuguesa do início do séc. XX, nitidamente alheio e avesso a quaisquer concessões à dialéctica do movimento, da mudança e da luta pela profunda transformação politica, económica, social e cultural da sociedade, que são a pedra de toque do materialismo dialéctico e histórico.
O Professor da Universidade da Madeira Thierry Proença dos Santos, na Introdução à reedição da «Canga» publicada pela Empresa Municipal «Funchal 500 Anos» concluiu que, nos seus múltiplos discursos, aquele livro «navega por entre as águas do presencismo, do neo-realismo e dos regionalismos aquiliniano e brasileiro, apontando claramente para a revindicação social, uma das missões que a literatura ocidental da altura, com intencionalidade progressista, levava a peito».

Podemos, assim, classificar Horácio Bento de Gouveia como um apologista da sociedade burguesa capitalista, e um intelectual conservador, e de certo modo nacionalista, embora profundamente humanista. Deste modo, do estudo aturado da sua brilhante obra de romancista e novelista, facilmente verificamos que se trata dum escritor vincadamente regionalista, mas de cultura europeia, que por vezes se afirma liberal, para quem uma das traves mestras da sua ideologia consiste em encarar como imutáveis as desigualdades económicas e sociais, contra as quais, portanto, nunca pretendeu lutar de forma activa e revolucionária nos seus escritos.
Na verdade, nos «Ilhéus/Canga» e em «Lágrimas Correndo Mundo», está bem patente o fatalismo dos caseiros e das bordadeiras, aliado à alienação religiosa, assente na esperança de que por milagre e não pela luta política e social, se atenue a opressão e se derrotem os exploradores.
Vejamos alguns exemplos, embora para facilitar a leitura e a compreensão, não utilizemos o linguajar camponês do norte da Madeira, cuja música e cadência acompanhou a infância e a juventude de Horácio Bento de Gouveia, e que ele tão magistralmente soube plasmar na sua obra, embora sem nunca deixar de escrever de forma elegante, e com grande rigor estético e literário.
Assim, nos «Ilhéus/Canga», Manuel Esmeraldo, personagem claramente autobiográfica, descreveu os colonos «como submissos, obedientes à lei de Deus, cumprindo o fatalismo da passividade, e não reagindo às extorsões do senhorio ambicioso, que como sanguessuga só abandona o doente quando está saciada».
Impressionado com a opressão e extrema pobreza dos colonos, Esmeraldo lamentava: - «quantas famílias viviam uma vida de inteira servidão na sua terra, tão plena de luz mas tão negra! Os Garipos, os Misérias, todos sofriam o peso férreo e acalcanhante da vontade dos senhorios, sem um clamor, uma súplica de justiça, mas apenas uma revolta surda».
Conformado, o caseiro Garipo afirmava «nunca ter ouvido dizer que pobre se tornasse rico um dia, pois, quem nasce pobre, pobre há-de morrer»; lembrando que o seu avô «toda a vida servira de moço de senhorio, comendo e dormindo na casa do amo, sem um belisco de terra sua, nem palheiro onde criar os filhos».
Duma forma sofredora, mas resignada, o caseiro Miséria lastimava a dramática situação familiar à sua mulher, esfomeada e tuberculosa, e dizia-lhe: - «o que Deus tem deparado é o comerzinho da terra. Se ao menos houvesse um peixinho…um bocadinho de carne, era bom para ti»; respondendo-lhe ela, de forma lacrimosa, mas submissa: - «Tou bem doente. Como há-de ser dos nossos filhos»? …
Apenas a caridade tinha o condão de mitigar a amargurada miséria. «Na ocasião da Festa, os mais remediados chamavam os garotos e davam-lhes um niquito de carne e um gole de vinho», perante o olhar fatalista dos colonos.
Ao ser vítima duma injustiça, o caseiro Miséria bradava: - «Deus não dorme! Deus há-de fazer justiça, o castigo de Deus há-se vir um dia. Quem era assim tão ganancioso, só amigo de si, tinha de pagar neste mundo todo o mal que fazia aos pobres como ele, que não podiam levantar uma palha do chão e chamar sua».
Outro caseiro desabafava para um companheiro de infortúnio: - «A justiça de Nosso Senhor é grande»; e este apenas respondia: «mas quando vem ela, não sei, não se sabe…mas há-de chegar um dia» …
E indignado com a malvadez do seu senhorio, o caseiro Pélea não se conteve e atreveu-se a dizer-lhe: - «a sua alma já está no inferno a arder».
Também em «Lágrimas Correndo Mundo», Horácio Bento de Gouveia não escondia o fatalismo e a resignação das bordadeiras perante a opressão e a ganância de alguns industriais de bordados, e dos seus agentes.
Numa ocasião Clara entregava o bordado que, penosamente, tinha executado. «O preço marcado era 1.800$00. O caixeiro desdobrou a toalha. Aproximou da luz os arrendados mais delicados e ia dizendo: o bisponto... este Richelieu... sabe, não está perfeito... Receba 1.500$00».
Desesperada, a bordadeira exclama: - «um desconto de 300 patacas! Não querem ver! Três meses, do romper da manhã até depois da ceia, derreada em cima do bordado, o dinheirame gasto nas linhas, o petróleo todas as noites, e no fim o senhor caixeiro não acha bem feito o trabalho». E levantando as mãos à cabeça, «apertando-a com os braços em arco dizia-lhe: - o senhor está a fazer uma injustiça, está a roubar o meu comer. E quem paga ao vendilhão agora nas Festas o meu vestido e o xaile novo?... Deus vê tudo senhor caixeiro!... E as lágrimas borburalham-lhe nos olhos outonais»; enquanto murmurava em tom magoado: - «a gente pobre como eu vive da agulha e faz o impossível para apresentar o trabalho como deve ser! Para isto»…
Mesmo ao lado, outra bordadeira lamentava-se: - «o pestilhança roubou-me... mas como a gente não se pode queixar, aceita-se o que nos dão»...
E uma outra camponesa contava que tinha sido um «alevanto» na vizinhança pela doença da Helena por causa dos bordados. Fizeram-lhe um desconto injusto de quinhentos escudos. «Ficou muito desgostosa e daí para diante, a rapariga olhava diferente para as pessoas. A modos que andava apreensiva. E, coitada tanto imprendeu que foi o que aconteceu. Começou a ficar tonta dizendo alto: dá-me as quinhentas patacas que me roubaste! Ladrão dá-me as quinhentas patacas! E toda a tarde nisto!»…
O caso não era para menos; comentou uma idosa bordadeira: - «a Helena levava as noites a bordar. Enchia o candeeiro de petróleo, e até às 4 horas da manhã não pregava olho, para dormir só três horas. Aconteceu o que tinha de ser, já era fraca da cabeça»...
E os episódios de exploração e fatalismo multiplicam-se. «Três irmãs com os olhos a arder bordavam até às 2 horas da manhã, e se não fosse o frio estariam a noite inteira a trabalhar para o sustento da família», embora o pouco que alcançavam nem para isso chegasse. «Mas só dele nascia o pão. Curvadas em torno da mesa as mãos trabalhavam sem descanso até desoras. O pai que vivia entravado para mais de três anos, sentado em cadeira de vimes, embrulhado num cobertor, resignado à sua sorte de inútil, perdia o lume dos olhos vendo as filhas quase exaustas na luta pela existência de todo o casal, por manterem a sua honra, e a vida um tudo-nada feliz».
Indignada, a vizinha lastimava: - «uma pessoa fica doente se quiser ganhar para comer e vestir. A vida de bordadeira é feita de muita lágrima. Mal sabem esses milionários que passam por aqui nos vapores de recreio quanto custa cada toalha muito arrendadas que eles compram, dando muitos contos de reis. Mal sabem quanto custa à desgraçada da bordadeira! Aqui há dias disseram-me que uma mulherzinha do Monte foi à casa de bordados levar trabalho. O marido tinha estado doente e quando ela foi entregar duas dúzias de lenços e uma camisa, passava já um dia do prazo marcado. Devia arreceber oitenta patacas e só lhe deram metade. A mulherzinha afligiu-se, explicou a razão de ter vindo um dia mais tarde, mas ficou assim mesmo...
- «Quem é pobre tem que se assujeitar, retorquiu-lhe a amiga em voz baixa e olhar distante».
Entretanto, lá em baixo, na cidade, «a vida borbulhava com os seus quadros de sofrimento e outros de efémera ventura. A cidade fosforejava de lumes. E a vida em seus contrastes de prazer e dor fechava-se dentro das casas pobres e das quintas dos ricos» ...

Além do conformismo e da alienação religiosa, Horácio Bento de Gouveia, ao contrário do que ocorreria com os escritores neo-realistas portugueses, chegou a acreditar, piamente, que o regime salazarista estava verdadeiramente interessado em pôr fim ao iníquo Contrato de Colonia, através da compra pelo Estado da nua propriedade dos terrenos, para depois a vender aos caseiros, que pagariam, em prestações, durante vinte anos.
Assim, quando para lançar «poeira nos olhos» dos camponeses o Governo da ditadura chegou a comprar algumas fazendas em Ponta Delgada, afim de as ceder aos colonos, Manuel Esmeraldo logo asseverou, confiadamente, «que andam às dezenas as famílias que viviam sob o despotismo dos senhorios régulos. Há-de pôr termo à situação humilhante e miserável do povo. O Estado vai comprar as terras, pois o Governo é forte e a voz da grei é a voz de Deus».
Arrebatados, os colonos da Lombada «davam vivas ao chefe do Distrito, que auscultando as aspirações do povo e reconsiderando que a justiça tinha de ser feita, atendeu à sua voz». E muito comovido, Manuel Esmeraldo exclamava para a multidão: - «Gente da Lombada! Confraternizo como o vosso júbilo, com a alegria que enche as vossas almas simples. Estou convosco nesta hora de felicidade. Eu sou também um camponês da Lombada»!
E sempre confiante que o governo fascista iria acabar com aquela forma medieval da exploração da terra, Esmeraldo afiançava com ingénuo fervor: - «Extinguiu-se o longo reinado da Colonia na Lombada da Ponta Delgada. O exemplo terá de frutificar noutras partes. Os Misérias da aldeia, libertos da carga asfixiadora, desistem de partir para outros mundos, não pensam em emigrar trocando a sua terra bem-amada por terra estrangeira. O Brasil saíra da imaginativa e é substituído pelo palheiro, a casinha rústica que os agasalhava, e pelas suas fazendas que cultivavam com o exaltado afecto. A Lombada surge agora na memória com o calor da afectividade adormecida, como conservadora fiel das mais caras tradições da família e dos costumes avoengos, paraíso de baladas de amor e ternura, a arca de aliança de lágrimas, dores e risos».
Em «Lágrimas Correndo Mundo», Horácio Bento de Gouveia também chegou a crer que a administração corporativista emitiria leis para repor a justiça nas relações de produção entre os industriais e as bordadeiras do campo e da cidade. Uma personagem desse romance regozijava-se pelo facto do governo ter prometido que os fabricantes teriam que melhorar os salários e as condições de trabalho das empregadas dos bordados; e convictamente comentava: - «agora é que se sabe das malandrices de certos patrões... Outro dia uma rapariga contava que a semana passada entrou no recorte às 5 horas da manhã para o trabalho, só saiu às 8 horas da noite; e só lhe tinham dado um quarto de hora para o almoço e para o jantar». Isso agora vai acabar...

Chegados aqui, julgamos que já provamos o suficiente para concluir que Horácio Bento de Gouveia não acreditava na luta de classes como factor de transformação da sociedade, e por consequência, a sua atitude e o seu pensamento eram distintos, e por vezes até opostos ao dos autores da escola neo-realista portuguesa.
Todavia, como afirmamos no início deste trabalho, da leitura atenta dos romances «Ilhéus/Canga» e «Lágrimas Correndo Mundo», também encontramos grandes afinidades com aqueles escritores.
Desde logo, a convicção comum a todos eles, de que por meio da palavra escrita, o romancista deve ser um constante criador de beleza, e que a descrição dos ambientes e paisagens, bem como dos dramas e das injustiças sociais, em nada limita o valor estético da obra literária, antes a reforça, como aliás está bem patente no conjunto da obra bentiana.

Por outro lado, tal como ocorria com os seguidores da escola neo-realista portuguesa, Horácio Bento Gouveia revelava também uma profunda solidariedade para com os mais oprimidos e explorados, nomeadamente as bordadeiras, e os colonos, vítimas dos gananciosos senhorios e também dos seus feitores; «que conseguiam ser piores do que eles e com quem se entendiam como Deus com os anjos».
Em «Ilhéus/Canga» o escritor classificou os colonos «como escravos da gleba explorados pelos senhorios», que os camponeses apelidavam de «criaturas de instinto perverso, (…) abutres de garras aduncas, a esfolar o seu semelhante, desprotegido da fortuna».
Manuel Esmeraldo denunciava «a vida rastejante, de répteis humanos dos caseiros, cuja peleja diária do escravo da terra com a natureza que lhe fornece o sustento, contém algo de gigânteo que deveria ser escrito com o próprio sangue destes ilhéus sem estrelas».
E o caseiro Miséria acusava a extrema exploração sofrida pelo seu pai, «que arrebentou as cordas do coração, de tanto carregar o senhorio levando-o de rede, pelas serras fora».
Por tudo isso, Esmeraldo arrematava que para haver justiça, os senhorios deviam ser obrigados a vender a terra aos colonos. «O conceito de felicidade não pode ser uns viverem regaladamente passeando, viajando, levando os dias de ripanço e outros gastando todas as suas energias com encharcar-se de suor desde o romper da manhã até ao pôr-do-sol. O governo não valoriza o trabalho do homem da terra. O regime de Colonia era uma afronta à dignidade humana».
Perante o infortúnio não é de admirar que a ânsia de muitos caseiros fosse partir. «Emigrar! Emigrar! Cifra-se nestas palavras o maior sonho do colono desditoso». Porém, Pélea lamenta não possuir dinheiro para pagar as despesas da viagem; e mesmo que o tivesse, «temia que o novo caseiro não fosse do agrado do senhorio, pois este ou não autorizava a venda, ou despejava-o por truta e meia»…
Em «Lágrimas Correndo Mundo», Horácio Bento Gouveia também se solidarizava com «a mulher dos bordados que ganha tão pouco, trabalhando exaustivamente». Maria Clara cramava: - «desde que o meu pai morreu, lá em casa há muitas faltas. São ainda pequenos os meus irmãos. E se não fosse eu, com o ganho bem triste da Casa, a gente não tinha um pratinho de semilhas ou de milho para o almoço e para a ceia».
E, Maria da Luz acrescentava - «Se não fosse o que a minha madrinha me oferece, eu andava só com farrapos em cima de mim».
Pesarosa e com voz dorida, outra operária asseverava «que apesar das exportações aumentarem a bordadeira ganha pouco, e tão pequena é a recompensa do seu trabalho, que o sofrimento sobreexcede a alegria de viver».

Nos «Ilhéus/Canga», além dessa solidariedade, o escritor compadecia-se com a extrema penúria e pobreza da vida da esmagadora maioria dos colonos.
Muito pobre e triste, «o casebre do Miséria, coberto de palha de trigo, negreja, isolado, como triste anacoreta, nas cercanias brenhosas da serra. Um só piso, com o soalho feito de tábuas carunchosas de pinho, arrimadas umas às outras, e uma porta com postigo, voltada para nascente. À ilharga, separada daquele por um chiqueiro sem porco, está a cozinha, que é telheiro desabrigado que nunca teve porta. No interior, a lareira limita-se a umas pedras que servem de suporte às panelas de ferro de três pés. O tugúrio onde reside, compõe-se de um quarto indiviso. Ali dormem ele, a mulher e cinco filhos. A cama é um maranho de palha de milho espalhado no canto do quarto que tem por ventilação as frestas das pedras da parede… (…)
«De tanto labutar, o Miséria envelhecia precocemente pois o organismo debilitava-se com a escassez da alimentação e a quantidade do trabalho quotidiano conduz o homem a uma morte lenta».
Em resultado de tantas canseiras, a sua mulher começou a cuspir sangue pela boca; levando o marido a carpir: - «que há-de ser de mim, se não tenho dinheiro para pagar os doutores e os alimentos que ela carecia? Como poderei pagar as rendas!” Entretanto, a infeliz «jazia a um canto com os esfomeados pequeninos à sua volta»…
Outra caseira expressava «a mágoa de não poder saciar a fome dos filhos pequenos, pois as batatas que conseguiu cozer tinham dado apenas para uma refeição, e à noite, os miúdos iam para a cama cheiinhos de fome, com a barriga vazia. E lembrar-se de que o senhorio tinha tantas batatas no armazém que até apodreciam, e que todos os dias um criado encheria caçarolas delas para ir deitar nos gamelões dos porcos» ...

A crua desumanidade e o modo arbitrário como eram tratados os caseiros, também perturbavam e comoviam Horácio Bento de Gouveia.
O senhorio Custódio Filipe, invocando que desde o mar até às serras tudo lhe pertencia, «lançou o pregão que doravante os caseiros são proibidos de ir buscar lenha, varas e urzes à serra que deita para Lombadas». Os colonos agitaram-se porque «a serra sempre foi dos pobres, e vencendo o medo e a timidez, um grupo dirigiu-se à Câmara obrigando o Presidente a ouvir as suas razões» …
Após um acidente de trabalho, outro senhorio «deu ordem para levar para casa, na sua rede, um filho do caseiro Garipo, que estava muito ferido na cabeça, aconselhando que lhe pusessem no lugar da ferida, panos ensopados com aguardente». Não o mandou ao médico, bolçando «que bem bastava pagar-lhe o dia inteiro, quanto mais ter despesas com doutores. Se precisar de doutor e remédios o pai que se aguente, porque é pai»!
E quando em consequência das enormes despesas com a doença e hospitalização da mulher, o colono Miséria pediu uma pequena moratória para o pagamento do rédito, o senhorio respondeu-lhe: - «se não podes pagar a renda ficas sem fazenda; e não consinto que voltes a meter a enxada na terra, nem para colher as verduras que plantastes».
Pesaroso, o colono exclamou: - «vossa senhoria não tem pena dum pobre como eu. Gastei centos de contos no amanho da cerca e bota-me fora como a um cão; mesmo com os meus filhos em casa, à minha roda, sem ter uma semilha, mortinhos de fome» ...
Passados alguns meses, durante uma tempestade, as águas destruíram as paredes e danificaram uma fazenda daquele senhorio, que, enfurecido, ameaçou participar às autoridades que a derrocada era da responsabilidade do caseiro.
«Mas que culpa tive eu? Ripostava o Miséria.
«Andaste a escavacar o alicerce para a ribeira arrombar a parede… Eu conheço as manhas de vocês…Má raça de colonos»!
Atónito, o Miséria ripostou: - «o senhor Custódio está a ser injusto e ofende. Se eu não fosse um desgraçado não falava assim. Mas que seria do senhor sem o nosso trabalho»...
O senhorio não esqueceu nem perdoou aquela resposta, e pouco tempo depois «manifestou o seu despotismo de maioral da terra», denunciando o colono à polícia. E no próprio dia em que a mulher do caseiro regressava do hospital, com os filhinhos agarrados à mãe há tanto tempo ausente, «um cabo da polícia dava voz de prisão ao Miséria»....
As situações de crueldade multiplicavam-se. Tentando que o senhorio lhe arrendasse uma parcela de terra em mato, o caseiro Garipo acordou em executar a desgastante tarefa de arrotear essa gleba, para depois o dono a locar. «Levaram muitos meses nesse trabalho em que Garipo e a família se mataram como negros». Quando a terra já produzia, o Garipo invocou o acordo, mas o senhorio logo lhe disse «que só arrendaria o campo depois de satisfeitas as despesas da aguardente gasta, da pólvora, da moída e dos homens que ajudaram na tarefa».
Três anos depois, o Garipo voltou a pedir que a terra lhe fosse arrendada, como contrataram, mas o senhorio esquivou-se alegando: - «as colheitas têm sido fracas».
O caseiro retorquiu: - «O senhor, não me diga isso! Então aquele trigal que enche o armazém não vale nada? Se eu me empenhei e tanto trabalhei não tenho direito que o senhor tome em conta as minhas despesas»?
E perante o desespero do Garipo, friamente, o senhorio respondeu: - «Se as colheitas forem boas daqui a cinco anos faremos o contrato»...

Horácio Bento de Gouveia anotou ainda que os senhorios, com o fim de obterem o maior lucro das suas fazendas, «nem deixavam plantar uma árvore de fruta na cerca do quintal das colonias», pois destinavam toda a terra à produção que mais lhes convinha. Também não permitiam «que as pobres crianças depenicassem uma uva que fosse»...
Luís da Feiteira chegou ao cúmulo de mandar abater todas as árvores de fruta dos seus caseiros, o que revoltou o Pélea que, de cabeça perdida, se atreveu a dizer-lhe: - «O Senhor é um ladrão! É um tracista! Quem deu ordem de entrar na banda de cada um para lhes cortar as fruteiras? A terra é de quem a trabalha. Se quer a fazenda fique com ela, seu estupor. A troco do meu suor e do dos outros é que o senhor está podre de rico! Seu beato fingido»!
A notícia dessa ruindade «correu rapidamente pela freguesia», e um caseiro encontrando o senhorio disse-lhe, em voz baixa: - «senhor Luís, também a gente somos deste Mundo. Vossa Senhoria fez uma acção que nem a faria o senhor Medeiros, papai do senhor».
Cinicamente, o senhorio respondeu: - «Vocês para que querem fruta? Os figos fazem mal aos beiços!
«Onde está a lei que o autoriza isso? O senhor não sabe que foi judiaria aquilo que fez? Ripostou o colono.
«E tu não sabes que sou o senhorio! O Senhorio é a lei! respondeu-lhe o Luís da Feiteira».

O escritor também se indignou com os abusos sexuais dos senhorios e dos feitores, cometidos contra a honra das camponesas.
Nos «Ilhéus/Canga» conta que o Luís da Feiteira e o feitor Pedro «ajudaram a prostituir Mafalda e outras filhas dos caseiros; e que noite de vigília, só de uma se lembrava o senhorio. Aquela em que estivera no palheiro com a criada, e ela lhe confessara que andava grávida de há três meses».
Mas, depressa remediou o caso, «casando a rapariga com o criado Ismael, doando-lhes um palheiro e fazenda para tratar, e nascida a criança, ele e a mulher foram os padrinhos» …
Em «Lágrimas Correndo Mundo», comenta «que as casas de bordados perdem muitas raparigas. As que tiverem pouco assento, as mais das vezes caem na má vida». Muitas não escapavam ao assédio dos patrões. «Mas, também conhecia mulheres sérias, que viviam com dificuldades e nunca tinham dado um passo em vão. Bem se lembrava duma Inês que, bonita como as estrelas, só via o seu marido. Um filho do patrão andou atrás dela a fazer-lhe promessas, mas os seus ouvidos estavam sempre fechados. E, quando o atrevido, uma vez, lhe dera um sobrescrito com uma nota de banco dentro, ela rasgou-lhe tudo na cara», e passou a trabalhar noutra fábrica.

Analisando com muito realismo outras facetas do terrível Contrato de Colonia que durante séculos vigorou na Madeira, Horácio Bento de Gouveia denunciou com veemência outras situações de extrema opressão e exploração dos caseiros.
Quando um caseiro pedia autorização para construir um quartito para albergar os filhos, na maior parte das vezes, «os senhorios recusavam para em caso de despejo não terem de pagar essa benfeitoria, ou então logo se aproveitavam com o fim de aumentar a renda».
E nas ocasiões em que os colonos pretendiam vender as benfeitorias, nomeadamente para emigrar, alguns senhorios usavam as suas influências para arredar qualquer comprador, e deste modo, adquirirem eles próprios as glebas, por baixo preço.
Pior ainda eram os abusos relacionados com o direito de preferência, exercido quando os caseiros vendiam a parte da produção que lhes cabia. Nesses casos, muitos senhorios procuravam pagar «o que fosse da sua vontade»; lamentando-se os camponeses «que lá por serem caseiros não havia o direito de lhes pagarem a cana e o vinho por menos do que o preço corrente».
Protestando que não queria continuar «sempre debaixo das patas dos senhores», o colono Pélea decidiu vender o seu vinho «aos armazéns suecos, que pagavam mais que a concorrência e mais que o senhorio». A ousadia, porém, saiu-lhe bem cara, pois o proprietário logo desencadeou o processo judicial para o despejo das terras, deixando-o na maior prostração e desalento, o que muito contribuiu para o seu prematuro fim.
«Morrera o Pélea, mas com a sua morte o senhorio não saldara a dívida de vingança. Excluir do resto das benfeitorias os herdeiros do caseiro era a sua ideia. Chamados os louvados, as benfeitorias do Pélea que bem valiam uns dezassete contos, liquidaram-se por três»… A vingança estava consumada!
Assim, a mais dolorosa provação sofrida pelos camponeses, «acontecia quando dava na real gana dos senhorios despejar os caseiros, ou por vinganças mesquinhas, ou por atrasos no pagamento das rendas, ou para depois venderem as terras por dobros e tresdobros»; tudo isso mesmo se as benfeitorias estivessem cultivadas com primor, ou permanecessem desde há séculos na posse da família do colono.
Atormentado, o caseiro João Lameiro acusava: - «O palheiro onde vivo custou-me anos de canseiras, mas amanhã se dá na gana do senhorio ele exclui-me pagando aí umas duzentas de patacas, pois o Custódio Filipe, tão beato que é, tira os olhos aos que nada podem como ele».

Além da solidariedade para com os menos favorecidos, outra característica que de forma muito estreita aproximava Horácio Bento de Gouveia dos neo-realistas portugueses, foi o grande realismo e a forma livre, aberta e descomplexada como descreveu os conflitos psicológicos, a dissolução de alguns valores tradicionais, os idílios românticos, os amores sensuais, os deleites do corpo e do espírito e as situações de exploração e opressão dos caseiros e das bordadeiras; facto que até lhe acarretou a perseguição dos sectores mais conservadores da sociedade, e também da igreja católica.
Na verdade, num artigo escrito pelo Cónego Fulgêncio, no «Jornal» de 23 de Fevereiro de 1949, amanhando a critica literária aos «Ilhéus/ Canga», publicado na altura do lançamento do livro, aquele sacerdote conservador, num tom em tudo semelhante ao empregado nos tempos negros da Inquisição, declarou, sem rebuços, que «na qualidade de jornalistas católicos, devemos advertir que a leitura dum tal género de literatura é defesa, não só pela lei natural, mas também pela igreja, aos católicos, como consta da Instrução da Sagrada Congregação do Santo Ofício do dia 3 de Maio de 1927».
Num reaccionarismo vesgo, Fulgêncio referiu ainda que Horácio Bento encaminhou o seu romance contra a doutrina da igreja preconizada na encíclica «Rerum Novarum», de Leão XII e repetida por Pio XI, na «Quadragéssimo Anno». Sem rebuços, o cónego hitleriano bolçava que o nosso escritor «apresentou cenas de lupanar e semelhantes, descreveu traços eróticos em linguagem vulgar que repugna, e não apresentou a vida tão pura e singela da nossa gente, como as flores que espontaneamente brotam neste jardim de encantamento que é a nossa ilha plantado pelas mãos de Deus sobre as ondas do mar. (…) Uma tal arte é um crime contra a humanidade; é uma assassina em massa. Uma tal pena está ao serviço do inferno. «Calamus Calamitatum Auctor. Muito acima de tais letrados e artistas está o latrineiro: este exporta esterco e aqueles o importam até encherem tudo de imundície»...
A filha do escritor também informou-nos que devido à forma humana, e solidária como o seu pai descreveu a vida triste e oprimida dos colonos, alguns senhorios da Ponta Delgada nunca lhe perdoaram, e até chegaram a cortar relações com ele.

Acresce que Horácio Bento de Gouveia foi um autor que acima de tudo exaltou a sua terra, e tal como era timbre dos neo-realistas lusos, também ele descreveu com profundo sentido estético e grande realismo as paisagens, a mentalidade, os costumes, o folclore, a etnografia, e todas as facetas da vida e dos dramas das suas gentes, que tanto amou, e com quem sempre fez questão de se identificar.
Embora conscientes que podemos nos prolongar demasiado, transcreveremos algumas dessas descrições, que constituem das mais belas peças literárias que se escreveram sobre a Madeira e o seu quotidiano.
Nas «Lágrimas Correndo Mundo», o escritor conta que «a Maria da Luz chegou ao trabalho dois minutos depois da hora. A encarregada deitou-lhe uns olhos fulminantes e multou-a em cinco escudos. A bordadeira debulhou-se em lágrimas, não só pela humilhação que sofria, senão também pelo receio que os pais viessem a ter conhecimento da cena. Era a primeira vez que chegava um pouco mais tarde, e por isso, não achava razoável uma lei tão dura, aplicada a ela e às outras, que trabalhavam todo o dia para usufruírem a miséria de 8 patacas.
«As colegas nem reagiram. De olhos parados a Teresa ia recortando uma toalha, a Susana um lençol, aquela mais uma toalha, esta um lençol, aquela outra um travesseiro. Era uma oficina muda de seres humanos, na qual a vida não podia nunca expandir-se por sons articulados»...
Noutra vez, a Maria Clara atrasou-se no intervalo do almoço. «Intolerante a encarregada da secção disse-lhe em voz rancorosa: - Está proibida de levantar-se até à hora de sair.
«Maria Clara, aparentemente submissa foi para o seu lugar e a boca não deu sinal da perturbação que lhe ruborizava a cara. Recalcou as expressões que devia pronunciar e durante quatro horas pregaram-se-lhe os olhos ao trabalho, e as mãos não paravam.
«Toda a sala jazia afogada em silêncio, apesar das mãos das engomadeiras reagir contra ele voluntária ou involuntariamente; e só se tinha a consciência do silêncio ao ouvir-se este ou aquele ferro de engomar que batia de chapa em cima da peça bordada cheia de refegos.
«E quando, finalmente, o relógio marcou a hora de saída, há um frémito de alegria que perpassa em todas as secções de trabalho. Gente nova ou madura fala e ri na posse da sua liberdade sequestrada durante horas dum silêncio de igreja. Era como se fosse aberto um pombal que há muito havia conservado a porta fechada. As empregadas, num alvoroço incontido, desalgemaram-se e, escadas abaixo lançam-se na rua onde respiram o ar livre».

Na «Canga», Horácio Bento de Gouveia menciona «que foi no norte alcantilado da Madeira que a aldeia da Ponta Delgada marcou a sua realidade humana como lugarejo, condição de vida, rente ao mar, depois que o navio do povoador abicou na enseada e os homens pisaram a terra fecunda e virgem. E foi crescendo e frondejando ao afago perene das ondas. Com o decorrer do século XVIII Ponta Delgada já era estância de prazer durante o Verão, de famílias nobres que se deslocavam da cidade para o remanso daquela formosa aldeia de frescos ares e deleitosas sombras. E, porque também fora berço de fidalgos, ficou conhecida em toda a redondeza da ilha por «Corte do Norte». A atestar ainda o esplendor que caracterizava o fausto de velhas casas senhoriais, permanecem, em nossos dias, vestígios dos antigos solares, cuja existência a história da Madeira assinala: a capela dos Reis Magos, a de Santo António, no Pico, e a de Sant´Ana, no Ladrilho».

Descrevendo, magistralmente, na «Canga» os panoramas e as incidências duma caminhada da Ribeira Brava até São Vicente; o escritor refere que andados quinhentos metros, começava a parte aspérrima, a parte mais agra da viagem. «Iniciava-se, daqui por diante, a ascensão até à Eucumeada, no espinhaço da montanha, a mais de mil metros de altitude, o ponto divisório entre o fragoedo do norte e o pendor suave do sul da ilha.
Através de caminhos barrancosos e serpeantes, que se vão obliquando ao jeito da configuração das encostas, colgadas de musgos nos ressaltos, por atalhos cavados na côdea mole da terra pegajosa, à ilharga dos quais se carcavam boqueirões e algares que descem dos espigões da serra, transitam os viandantes há mais de quatrocentos anos. Topam-se, aqui e acolá, urzes seculares, a uveira de bagas de coral, os fetos arbóreos, a vegetação luxuriosa e virgem de feição tropical e os loureiros.
«Ao de cima, sombreando o caminho, os folhadeiros e as giestas formam um friso de eterna Primavera, remate das grinaldas de plantas que, vertente fora, perpetuam as dinastias de seus antepassados. Derramando-se o olhar por entre as clareiras dos galhos das árvores, vêem-se nas margens dos refegos do vale, onde as águas correm em melopeia suave, a terra cultivada e os bosques de castanheiros e nogueiras. É ali que se desenvolve o heroísmo anómalo da actividade agrícola do lavrador, a viver desconfortavelmente em seus lares frinchosos e de um só piso, chumbado à terra desde a infância rude à velhice desoladora.
«O viandante subia custosamente os degraus dos socalcos a esbarrondarem-se, que, vereda acima, serviam de trilho a seus passos vacilantes, por via da terra que, ora fugia debaixo dos pés, ora se agarrava às solas das botas. A mata de castanheiros ficara já muito para trás nas solidões inóspitas da Serra de Água. Raparigas descalças, de pernas nuas e arranhadas das silvas, dirigiam-se açodadas para a povoação, transportando à cabeça molhos de feiteira para o gado.
«A Encumeada, derradeiros contrafortes alpestres encavalitados em dorsos de cetáceos descomunais, que se houvessem anquilosado, apresentava-se imaculada de nevoeiros. Sobressaía um tom de bronze retinto nas dobras dos últimos cerros quase calvos, empinando-se para as alturas do céu com jeitos de arquitectura gótica.
«Manuel Esmeraldo parou, e do farnel que levava ofereceu aos companheiros. Corria vento frigidíssimo, mas Manuel maravilhava-se: o panorama que a pupila abarcava tornava insensível o rosto castigado pelo regelo do ar. De um e do outro lado, avultavam painéis de surpreendente beleza. À direita, ao perto e mais distante, os marmelões olhavam para o céu e engrossavam no corpo malhado das rochas da cordilheira, das quais sinuosos veios de água escorriam para os abismos do fundo do vale. À esquerda, a ossatura das montanhas inchava mais para fora do vale, cujos flancos bojudos, às pregas, arreganhados pelas enxurradas, esboicelados pelas invernias, exulcerados das quebradas destruidoras, vertiam água límpida, abundantemente (…)
«Lá em baixo, muito em baixo, na orla do mar, a meio da chanfradura da ribeira, divisava-se a capelinha de São Vicente como tosca pedra branca, encravada em penedo escuro. Rasgavam-se horizontes sem fim na direcção do norte. (…)
«E principia a descida, ao longo de um carreiro primitivo que rompe o manto da vegetação exuberantíssima. A natureza, dormente, apenas de vez em onde perde o seu ritmo despercebido ao sentido humano, ao escutar-se um regato murmuroso ou as falas breves de qualquer passaroco transviado por aquelas paragens distantes da civilização dos casais. E a senda primeva, aos altos e baixos, com fendas e resvaladoiros, transformada em córrego com as chuvas do Inverno, estreita e angulosa, aberta no coração vicejante da selva, passando oculta pela ramaria enclavinhada dos loureiros e vinháticos, em grande parte impenetrável à luz clara do Sol ao atingir o zénite, vai despontar às portas dos palheiros de gado, nos cabos da serra, perdidos e entre montanhas escalavradas, e às olheiras das furnas, à beira dos vastos terrenos pingues de São Vicente. (…)
«Anda que anda, o Sol já declinava para as bandas do Porto do Moniz, o céu tomava uma cor rósea a poente quando, ao entrarem na freguesia ouviram as badaladas argênteas do sino e, em seguida, tiros de arcabuzes e a chiadeira e o estrondear dos foguetes. Havia Missa do Parto na antemanhã próxima. A festividade efectuava-se com o esplendor que traduz a satisfação de uma promessa».

O ambiente vivido na época das vindimas, também foi narrado por Horácio Bento de Gouveia com grande realismo e beleza estética, como era timbre dos escritores neo-realistas:
«Agora, por toda a parte, em montados, fajãs, cabeços, fraldas da montanha, um agitar de braços fazia estremecer as folhas das vinhas. Velhos e gente nova, munidos de facas, e navalhas, cortavam os cachos que lançavam para dentro dos cestos pequenos os quais, por sua vez, se despejavam em barreleiros que se enchiam, até que as uvas, acamadas umas sobre as outras para cima da roda da beira, se acogulavam. E ala dos trabalhadores carregarem os barreleiros às costas a caminho do lagar. Homens de calça arregaçada, muitos com as pernas tingidas de mosto e barril ao ombro percorriam as ruelas mais solitárias da freguesia, uns «acartando» o vinho para as pipas, outros transportando água das fontes, a água que vai produzir a água-pé tão apreciada durante as longas noites de Inverno, nas debulhas do feijão.
«Os colonos, ao passo que as uvas amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou ao feitor a pedir licença para fazerem a colheita e apalavrarem o dia do empréstimo dos lagares. Os quais, porque em número restrito, não bastam nunca para todos os pedidos. E assim, ainda um lagar está a empesar um pé de uvas, já para dentro dele se despejam cestos sobre cestos, propriedade de outrem.
«Logo que a manhã dealba, onde o mar toca no céu, começa a labutação de fazer vinho das uvas que jazem apanhadas de véspera e o bulício lagareiro prolonga-se, fora de horas, até passante da meia-noite»…

E como já nos alongamos, apenas a descrição na «Canga» do célebre arraial da Ponta Delgada, que como nas anteriores, Horácio Bento aliou o mais puro realismo a uma alta qualidade estética:
«Na quinta-feira; véspera da grande romagem ao Senhor Jesus, a freguesia metamorfoseia-se, ganha expressão própria; uma vida transitória mas trepidante corre em suas artérias. Vive-se a agitação de cidade mercantil.
«Os cerieiros armaram as tendas em torno dos plátanos do Largo do Açougue. Há tabuleiros com círios da altura de um homem e com outros metidos dentro de canas rachadas, e ainda se vêem molhos de círios com fitas encarnada a embelezá-los, um por um, circuntornando-os em espiral. Vitrinas abarrotadas de quinquilharias assentam em cima de caixotes encostados ao muro que limita o Largo. São os primeiros vendedores nómadas que vêm trazer a sua cor pitoresca ao arraial.
«Na orla das ruas principais, os barraqueiros desmoronam muros, espetam estacas no chão, põem prateleiras, colocam toldos, amarram com espadanas e vimes ramos de loiro e de barbuzano que formam as paredes das típicas casas de comidas e bebidas.
«Chapões de til preto são postos em esquadria em cima de barricas e outros são firmados sobre cunhais de pedra, nos talhos que surgem a esmo, ao longo das ruas, e onde as reses vão ser mortas.
«Descem os carreiros das ravinas, que vêm morrer à vizinhança dos casais, homens ajoujados com cargas de espetos de loureiro para a carne assada, com lenha de urze para os braseiros, com galhos de barbuzano e de loiro prenhes de folhas e com alegra-campo para o alindamento do interior da igreja. O negócio é sempre de tentar na época da festa. Por isso, não há loja que não fique apalavrada de ano para ano, não há terreno à margem do caminho onde cresça erva nos três dias que precedem o primeiro domingo de Setembro.
«O silêncio da aldeia perdeu a poesia, o mistério que se desentranha da natureza fecunda: o sussurro da água que escorre das aguagens, o rumor da viração que afaga as francas das árvores fazendo estremecer as folhas que se vergam, o bramir do mar e o coro das aves cantadeiras. Agora havia o que quer que fosse de desabitual, de novo, de estranho. Um alvoroço percorria a aldeia de cabo a cabo como o sangue circula no corpo. Desde que o Sol se erguera lá para trás das rochas altas, rompendo a corda de nuvens negras acasteladas no horizonte marinho, começara a azáfama que sempre se repete ao acercar-se a tradicional romagem: negociantes das povoações mais chegadas vinham tomar conta da sua quitanda ou da nesga de terreno onde esperavam atrair os romeiros, com servir bem a carne e o vinho. E traziam serrotes, martelos e podoas, e pregos nas algibeiras dos casacos, em companhia de rapazelhos que vêm munidos de vimes verdes para amarrar os galhos de loiro que hão-de formar as barracas. Ouve-se o toque de um «machete», a primeira mensagem do arraial em sua toada de reminiscência árabe. E a caminho da igreja vão camponeses e caseiros com molhos de alegra-campo cantando um conjunto de sílabas sonoras, que já tinham ouvido aos pais, quando desciam os atalhos da serra, carregados de lenha para vender aos senhores da freguesia… (…)
«Na sexta-feira, convergem à povoação através dos primitivos caminhos abertos no basalto, subindo planaltos, descendo fajãs, galgando colinas, vadiando ribeiras, os romeiros das freguesias mais longínquas da ilha. De saias às riscas de cores vistosas, em que sobressaem o encarnado e o azul, as raparigas bailaricam ao som da viola de arame, do harmónio e dos ferrinhos, com seus requebros dengosos de cintura, braços no ar batendo palmas, enquanto os tocadores com um grande chifre cheio de vinho ou de aguardente de cana, a tiracolo, cantam quadras de improviso. Aos grupos, famílias inteiras vêm cumprir promessas ao Senhor Jesus. Há sempre, um instrumento de música, uma rabeca, um rajão, uma viola, um braguinha, um tambor ou um pandeiro que acompanha os peregrinos na jornada. Voz clara de rapariga canta:

De Ponta Delgada ao Arco
Do Arco ao Senhor Jesus
Tudo são cravos e rosas
Qu´eu co´a minha mão dispus. (…)

«Sábado. O Caminho Novo, de lés a lés, é uma vaga humana ressoante de interjeições, frases enfáticas, trovas e notas desafinadas de instrumentos. Dá-se o fluxo e o refluxo, de gente que sobe e de gente que desce. São doze horas. O vapor «Gavião», embandeirado em arco, apitou e ancorou no porto, onde vai golfar centenas de romeiros. As lanchas mal topam no calhau e o primeiro «paral» se ajeita ao escorregar da quilha, vá de a companha puxar pela corda que está presa à popa, antes que uma onda mais forte revire o barco e encharque a malta dos passageiros que, precipitadamente, saltam em terra aos tropos-galhopos, mergulhando os pés nas poças, molhando os sapato e atirando cestas para longe do quebra-mar.
«Na igreja a custo se pode respirar. As plantas e as flores mais formosas, jarros, não-me-deixes, rosas, gereberas, brincos-de-princesa e açucenas enfeitam os altares e as peanhas dos santos, profusamente. Sufoca-se. Há um mar onduloso de cabeças. Círios sem conto e de alturas várias ardem nas mãos dos velhos e moças impúberes. Cumprem-se promessas de joelhos. Distingue-se um murmúrio de rezas, abafado quase pelo clamor do oceano, alma penada em delírio eterno. Fora do adro, romeiros de faces afogueadas e fatos com engelhas, amarrotados do calvário da viagem, poisam no chão de cimento as cestas a estoirarem de lauto farnel a que não faltam as rosquilhas doces cheirando a amassadura fresca.
«Aos atropelos, movem-se doceiros ambulantes que vendem bonecas de massa cor de gema de ovo, bonecas que têm coladas às pernas, aos braços, e à cabeça, lindas fitas coloridas de papel de seda, nas quais predomina o vermelho. (…)
«Anoitecera. Magotes de foliões, uma faradonlagem endoidecida, pisando calos com botifarras de cordovão e solas de peso, corre Seca e Meca, explodindo vivório, urraria bárbara, ao passo que outros cantam desafinadamente:
Primavera das flores
Cuma esta não há mais
Primavera vai e volta sempre
A mocidade nã volta mais.

«Na Terra Chã, (…) tocava-se, bailava-se, e garganteavam-se trovas portadoras de ironia:

Cantas bem nã cantas mal,
Gargantinha de marfim.
Eu dava um vintém às almas
Se o meu cantar fosse assim. (…)

«Na mercearia do Pestana, jaziam, a dormir, estendidos a esmo, no chão de calçada áspera, os que tinham passado em claro a noite de sexta-feira. Em promiscuidade repelente, para ali estavam raparigas de tez queimada ao sol, em contacto com vilões adolescentes; as narinas delas aspiravam o bafio que se exalava das pernas e dos pés delas, com os dedos sujos e gretados da jornada fatigante através dos caminhos de cabras que ligam as povoações da ilha.(…)
«Numa latada de vinha e pimpinelas, fazendo de dossel, tornava-se mais espesso o escuro da noite. (…) Uns jogadores de roleta, achando o lugar propício para o negócio proibido pala autoridade do Concelho, ali abancaram. Um caixote de petróleo era a mesa; os dados começaram a girar à luz bruxuleante de uma vela que, ao derreter-se, alastrava o sebo no tampo do móvel»…

Resta referir e recriar os comentários e impressões de alguns escritores e académicos sobre a «Canga», que na nossa opinião constitui a obra-prima do nosso escritor.
Assim, na Introdução da última edição desse livro, Thierry Proença dos Santos proferiu que «em 1946, Horácio Bento de Gouveia lança-se à escrita de um admirável fresco, visando ilustrar a gritante injustiça de que padecia certo mundo rural madeirense, bem como a evolução dos costumes da sociedade funchalense dos anos vinte. (…)
«Apresenta a sua terra e as suas gentes e representa-se a si mesmo, ensaiando uma construção mítico-literária da Madeira, no sentido de definir uma identidade insular e projectar um futuro melhor para a sua comunidade. (…)
«O tema central do romance é o drama da colonia, antigo regime agrário que vigorava, anacronicamente, na Madeira, e que tinha particular expressão desumana na Ponta Delgada. Esse regime prendia à terra o colono, nela trabalhando de sol a sol, em benefício do senhorio, não sendo aquele dono do solo, mas apenas das benfeitorias, cujo valor de transacção dependia da vontade deste. As famílias de colonos aqui retratados, os Péleas, os Misérias e os Garipos, entre outros, contracenam com os gananciosos senhorios, Filipe, Custódio e Luís da Feiteira. Esta situação é acompanhada por Manuel Esmeraldo, o fio condutor da narrativa e o protótipo do bom rapaz de família abastada, de configuração romântica e dado à meditação. (…) Desse processo de tomada de consciência resulta a afirmação do protagonista contra uma situação que o ultrapassa. (…)
Por sua vez, António Marques da Silva referiu, na 3ª edição da «Canga», que Horácio Bento de Gouveia, «com imensa coragem, alimentada pelo espírito naturalmente compassivo e a indignação dum adolescente idealista, tratou da situação social causada pelo sistema da Colonia, e censurou a insensibilidade de certos senhorios». Anotou ainda que em «Lágrimas Correndo Mundo», o escritor narrou o quotidiano das verdadeiras artistas que dedicavam uma vida debruçadas a bordar maravilhas. Esses bordados corriam mundo, mas os grandes lucros caíam inteiros nas mãos dos industriais, dos intermediários e do Turismo. À mulher estava reservado o trabalho duro, cedo causador de complicações para a visão e a saúde».
E o ilustre professor e escritor madeirense J. Vieira dos Santos, numa carta que enviou a Horácio Bento de Gouveia, publicada no «Eco do Funchal» em 24 de Março de 1949, mencionou: - «Até que enfim, no nublado céu literário da Madeira, apareceu um verdadeiro romance literário que veio enriquecer como estrela de primeira grandeza a nossa literatura insulana tão pobre e falida no domínio do romance regional e social. O teu livro está bem delineado, bem observado e bem escrito, como era duma pena tão aparada.
«Talhado no basalto da nossa terra, escrito no murmúrio cantante das ondas que, nas tardes de doce poente, beijam carinhosamente as penhas da Ponta Delgada e nas noites tempestuosas as vergastam impiedosamente, no teu livro palpita vivo e estuante o drama do nosso trabalhador rural mourejando-se de sol a sol, em lutas com a terra safara donde há-de tirar o seu parco sustento e o da família. (…)
«Reminiscência do antigo servo da gleba, que se vendia quando ao senhor se aprazia vender a terra, quando a sorte o faz depender dum Custódio Filipe, ou dum Luís da Feiteira, ou pior ainda, dos seus feitores, (…) então a infeliz condição do escravo da terra é uma via dolorosa, arrastada na miséria e plasmada no desespero. (…)
«Vivendo numa situação deprimente, numa promiscuidade repugnante muitas vezes, num ambiente de penúria e de titânico esforço contra a natureza, que admira que o nível moral e social desta gente se ressinta e que propenda, umas vezes, para o vício da taberna e outras para a baixeza e para a imoralidade.
«Que se pode esperar do carácter desses Garipos e dessas Misérias ou desses Péleas, para os quais o mundo só tem amarguras e a vida só mostra a faceta da penúria e do desconforto»?!
Finalmente, no prefácio da 3ª edição da «Canga» Aquilino Ribeiro escreveu: - «o que mais saboreei no romance foi a faceta de sofrimento que vinca a fisionomia dos camponeses. (...) Os seus lapuzes, meu caro, nascem e morrem debaixo do fatídico condão da dor, e bem-haja a sua pena que não lhes alterou a sina, nem os alindou à Júlio Dinis. Por essa lealdade com os simples, eu o louvo! (...) Que o livro está bem escrito, e escrito no idioma que aprendeu as consoantes com o rolar das vagas, e os vocábulos com os murmúrios das fontes, ninguém lhe poderá contestar. Por isso, sobretudo pela forte dose de humanidade que anima o seu formigueiro, seus desesperados, levando a cruz ao calvário, carregando a feia taleiga da vida às costas, eu o saúdo e felicito»!

Quanto a nós, não temos a mínima dúvida em afirmar que uma grande lição se tira de estudo da obra do nosso escritor: a certeza de que o homem é de facto ele, as suas circunstâncias, e as suas contradições. Alguns pavões arvorados em humanistas e esquerdistas, falam muito dos trabalhadores, dos camponeses e na classe operária, mas no fundo pouco fazem para lutar pela transformação da sociedade que os oprime, pois estão mais interessados em promover a sua figura, ou manter fugazes mordomias.
Horácio Bento de Gouveia, porém, é um idealista romântico e por vezes conservador, mas não temos a mínima dúvida que poucos como ele amaram tanto os trabalhadores e o povo humilde, oprimido e explorado da sua terra!

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