sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A Parreca - Revolta Camponesa nos Finais do Séc. XIX


Nas últimas décadas do século XIX a situação económica e social do arquipélago da Madeira era devastadora, a depressão continuava a grassar e o autismo do Governo Central mostrava-se cada vez mais gritante, factos que determinaram que essa profunda crise degenerasse em tumultos e actos revolucionários de grande violência, tais como a célebre «Parreca», acontecida em 1887, quando o Governador Civil, Conde de Canavial, tentou introduzir na Madeira as «Juntas de Paróquia» que, aparentemente, acarretavam mais impostos a pagar pelo povo e menos financiamento autárquico.
Em 23 de Outubro de 1887, estalou em «Gaula» a primeira rebelião, verificando-se várias manifestações e distúrbios causados pelos povos daquela localidade, principalmente pelas mulheres, que nos campos sempre foram agitadoras terríveis. Três dias depois, cerca de quatrocentos camponeses vindos de «Gaula» e da «Camacha», manifestaram-se junto da «Igreja de Santa Cruz», e só dispersaram após a promessa do administrador do concelho de que não seria instalada a Junta de Paróquia. No mês seguinte, de 20 para 21, o «Caniço» foi palco de manifestações e desacatos ainda mais graves, sendo que, durante a noite, algumas centenas de pessoas invadiram a Igreja, tendo depois destruído a residência paroquial. Já de madrugada, e perante a chegada de um destacamento militar, o povo, concentrado no adro do templo, apedrejou os soldados, provocando-lhes um morto, tendo as tropas ripostado a tiro, matando três populares e ferindo muitos outros.
A partir daí a revolta estendeu-se com mais amplitude a todos os Concelhos, à excepção do Funchal e Câmara de Lobos. Em Dezembro, verificaram-se arruaças no «Campanário», «Ribeira Brava» e «Porto Moniz», nos quais foram espancados vários funcionários públicos. Os tumultos foram significativamente mais graves no Concelho de «Santana», onde as populações da dita freguesia, do «Faial», de «São Jorge» e da «Boaventura», manifestaram-se com ferocidade, espancando várias figuras públicas, entre elas o pároco do Faial.
No primeiro de Janeiro de 1888, foi a vez do povo do «Arco da Calheta» sublevar-se, destruindo as residências do regedor e do amanuense da Câmara. Nesse mesmo dia também foram detectados movimentos tumultuários na «Tabua», «Porto da Cruz» e «Madalena do Mar», estendendo-se nos dias seguintes à «Fajã da Ovelha», «Prazeres», «Estreito da Calheta» e «Curral das Freiras». Finalmente, a partir de 5 de Janeiro, o povo dos «Canhas» e da «Ponta do Sol» invadiu por três vezes a Vila, apedrejando, na última invasão, as forças militares que dispararam, matando dois populares, e ferindo outros.
Muito embora não possamos classificar estes movimentos como uma autêntica Revolução, o certo é que assistimos a uma acção conjunta dos camponeses madeirenses, tipo jaquerie tardia, que serviu para enfraquecer o regime monárquico e reforçar a influência das forças republicanas, que segundo nos parece estiveram por traz da rebelião.
Muito inquietas, a imprensa conservadora e a hierarquia religiosa foram implacáveis e injuriosas. Por exemplo o jornal católico «A Verdade» apelidou os camponeses de selvagens, bolsando que «os cafres, nos seus instintos ferozes não lograram os seus planos de destruição e canibalismo. Vê-se agora bem claramente que o povo dos nossos campos não carece só de pão, mais do que pão precisa de instrução. Estúpido, adulado por alguns canibais, vê-se hoje de quanto é capaz».
Devido a estes graves acontecimentos, a secular luta entre caseiros e senhorios – momentaneamente adormecida como consequência do aumento da irrigação das áreas destinadas ao cultivo de bens de subsistência – rapidamente voltou a agudizar-se. E como já vimos, em 1889, os senhorios exigiram do Governo e do Parlamento medidas que facilitassem o despejo dos colonos, que fixassem um critério que lhes fosse mais favorável na avaliação das benfeitorias dos caseiros, e muitas outras reivindicações, sendo certo que até à Revolução de 25 de Abril de 1974, continuaram vivos e permanentes os litígios e as lutas entre estas duas classes com interesses divergentes e antagónicos.
A finalizar, lembramos que estes fortes e consertados movimentos populares obrigaram o governo a pôr em prática um conjunto de medidas para agradar as populações, nomeadamente o lançamento de algumas obras públicas, e a extinção do contestado Imposto de Cabotagem. Ao mesmo tempo, para avaliar e remediar a situação, foi nomeada uma comissão parlamentar, presidida por Manuel Raimundo Valadas, da qual nada de importante resultou, pois quer a mediocridade e venalidade dos deputados, quer as continuas quedas dos governos centrais, determinaram que a Madeira nunca visse os seus problemas discutidos com profundidade, ao ponto de quando pela primeira vez um Rei português visitou a Ilha, os madeirenses não tiveram outro remédio, senão aproveitar esse facto, para apresentar directamente e de viva voz, as suas reclamações a D. Carlos I, e ao presidente do Governo Hintze Ribeiro, que o acompanhava...

Sem comentários:

Enviar um comentário