quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Madeira na Obra de António Nobre


António Nobre nasceu na cidade do Porto em 16 de Agosto de 1867, e amargurado pela tuberculose, faleceu na Foz do Douro, em 16 de Março de 1900.
Escreveu os primeiros versos com apenas 14 anos de idade, e aos 16, juntamente com seu irmão Augusto e outros jovens amigos, colaborou em diversos jornais e revistas do Porto, e pouco depois com a tertúlia literária dos Nefelibatas.
Em 1883, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde foi um dos principais impulsionadores do grupo literário a Boémia Nova; tendo-se tornado notado pelos inconsequentes idílios amorosos, pelas excentricidades no vestuário, e por certa megalomania, aliada a um exacerbado narcisismo de raiz pequeno-burguêsa.
Após o desgosto por ter reprovado dois anos seguidos no curso jurídico - facto que determinou que tivesse de abandonar a sua Coimbra sem par, flor das cidades – António Nobre foi viver em Paris, onde terminou o curso de Direito na Sorbonne.
Concorreu, depois, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo sido admitido na carreira diplomática, mas por já estar muito doente, não chegou a ser nomeado para qualquer posto.
Em vida, o poeta publicou O Só (1892); e, posteriormente, vieram a lume Despedidas (1902), onde se encontram oito sonetos e três outras poesias escritas na Madeira, Primeiros Versos (1921), Cartas Inéditas (1936), e Cartas e Bilhetes-Postais a Justino Montalvão (1956).
A partir de 1895, a tuberculose declarou-se abertamente em António Nobre, que numa via-sacra de doente inconformado, em 1896, tentou curar-se em Clevedel, STºJoham e em Platz; em 1897, nas cidades de Berna, Lausana, e Villeneuve; em 1898, na Foz, Baltimore e na Ilha da Madeira, sendo que, finalmente, em 1899, voltou a tentar a cura em STº Joham e em Platz.
Foi durante todo esse período que o poeta, depauperado pela doença, muito deprimido e cada vez menos esperançado na cura - se identificou com a amarga conjuntura económica, política, social de Portugal, e escreveu alguns poemas de índole sebastianista; embora sem a convicção e a persistência do seu amigo Sampaio Bruno, o que bem demonstra que apenas teria sido motivado, momentaneamente, pela sua dramática situação pessoal.
De forma breve, embora conscientes que analisamos um dos mais complexos escritores nacionais, acrescentaremos que após a publicação do Só – a sua obra-prima e único livro publicado em vida – António Nobre passou a ser considerado o percursor da moderna poesia portuguesa, e tornou-se muito consagrado pelas suas características de poeta inovador, criativo e original, além de ter sido detentor duma extrema sensibilidade, e dotado de grandes capacidades para criar emoções intensas e vibráteis.
Alguns autores tecem-lhe acerbas criticas por se ter debruçado, com insistência, sobre aspectos mórbidos, fatalistas e macabros, e até pela sua atracção por gostos e estilos decadentes. Todavia, há que lembrar que nas últimas décadas do séc. XIX, foi moda na literatura portuguesa utilizarem uma estética decadentista, circunstância que terá influenciado, alguns poemas do Só, embora minimamente.
Deste modo, não temos dúvida em afirmar que a maioria das poesias desse famoso livro, nomeadamente as escritas em Paris, por vezes num tom de diário íntimo, caracterizam-se pelo predomínio dum saudosismo prenhe de lusitanismo, e até por certos laivos do neogarretismo também muito em voga na época. Daí que Vitorino Nemésio tivesse afirmado, muito justamente, não haver livro mais nosso do que o Só, nem poeta mais português do que António Nobre.
Outra característica marcante do poeta, foi o realismo com que descreveu a sensibilidade, as crenças e os costumes populares nortenhos. Por esse facto, Oscar Lopes referiu «que o povo tem para António Nobre uma apetência e um parentesco, como o de uma ama cujo leite não tivesse, apesar de bom, conseguido revigorá-lo; ou como o de um irmão colaço e pobre, mas rijo, por via dessa mesma ama».

Foi a conselho dum médico amigo e na ânsia de debelar a doença, que o nosso poeta procurou na Madeira remédio para o seu mal do peito. Os seus companheiros madeirenses Dr. Mark Athias, médico em Lisboa, e Alfredo de Freitas Leal, ainda aluno da faculdade de Direito de Coimbra, deram-lhe boas informações sobre a Ilha e a fama do seu clima para o tratamento da tuberculose. Falou também num jantar de confrades que o poeta Gomes Leal, certamente, louvou a terra dos seus pais, onde se curara, e passara os dias mais felizes da sua vida, como lembrou na velhice.
Deste modo, António Nobre, desembarcou na Madeira por altura do Entrudo de 1898, onde permaneceu cerca de dezoito meses. Em carta escrita ainda em Lisboa, para o seu amigo e confrade Justino de Montalvão, datada de 28 de Janeiro de 1898, noticiava:- Columbano está a pintar o meu retracto, e quer esmiuçar o trabalho, de modo que poucas faltas tenho dada à pose. Está admirável.
De seguida informa que embarcaria para o Funchal no dia 1, no paquete Hildebrand, acrescentando:- parto um pouco à socapa para evitar que os jornais noticiem – pois sabes a ilha da Madeira tem a mesma fama que a Suiça. (...) A minha adresss será apenas Funchal-Madeira. Devo prevenir-te que os paquetes regulares, (isto por causa da correspondência,) são nos dias 5 e 20 de cada mês de Lisboa. Há outros ainda que não se podem prever com antecedência. É verdade: há também o D.ª Amélia lá de longe em longe.
Todavia, três dias depois, em nova missiva, informava a esse amigo que o vapor retardado, só partiria 5ª feira, às 3 da tarde, e que afinal embarcaria no Moçambique; mas rezam as crónicas que acabou por viajar no Cazengo comandado pelo capitão Barros.
A título de curiosidade podemos confirmar que o célebre pintor Columbano terminou, efectivamente, o retracto do poeta, o qual chegou a ser mostrado na 8ª exposição do Grémio Artístico de 1889, mas segundo nos parece essa obra nunca mais foi reencontrada.
Da maneira muito peculiar como recriou os cenários e ambientes vividos pelas personagens que estudava, o advogado e historiador madeirense Ernesto Gonçalves, no ensaio Portugal e a Ilha, lembra que na época em que António Nobre desembarcou no Funchal, «ainda estavam de pé, na sua soberba solidez à prova dos séculos (não do homem) duas das portas da cidade que fora amuralhada: - a maioral, a dos Varadouros, nobre e severa como a dum castelo, dir-se-ia fundida no bronze dos canhões, e a da Rua dos Aranhas, recatada, abrigava o sono de algum pobre sem amparo. Em frente do Palácio de São Lourenço, para a banda do mar, fazia-se ostensivo o progresso local, hílare de modernismo na Praça da Rainha, com quiosques de estilo árabe, (fornecimento de bebidas finas e sorvetes…) e, a meio, um coreto catita, todo de ferro, para funçanatas filarmónicas, às vezes, música clássica, puxada a fôlego, regalo de apreciadores solenes. Ao longo da praia, pousavam barcos verdes, desde os de pesca às canoas, esbeltos e de leme sagaz, e tão ágeis como as veleiras caravelas da ilha, fabricadas de lenhos primitivos» …
Já na cidade, numa terça-feira do Carnaval de 1898, com muito entusiasmo, António Nobre escrevia a Justino Montalvão, comentando:- a Madeira é um encanto. Ilha dos Amores, a Verdadeira. O ar delicioso parece feito de flores. Olha que vale a pena um passeio até cá. A minha chegada foi o acontecimento na terra. Não me julgava, tão célebre. (...) Como é Entrudo, as meninas de cá, lindas e finas por sinal, vieram em grupos de mascaradas visitar-me e, logo da entrada da porta, gritavam – Onde está ele? - o poeta, o poeta. Todas me pedem para que deixe crescer bigodinho o que não pode ser. Mãos nas mãos, enfim puro Canto VII dos Lusíadas. É o que te eu digo, estou na Ilha dos Amores e faço agora as vezes do bom Gama.
O escritor Feliciano Soares, do Instituto de Coimbra, acrescentou um toque romântico a este episódio, referindo que fazia parte desse rancho uma rapariga de pequena estatura, fresca como o ar da madrugada, magrinha como o escritor, e que mais tarde também morreu tuberculosa. «O poeta fala-lhe de perto. Ele encanta-se. Ela sente-se lisonjeada e diz como na Purinha: Quem me dera ser alta como a Torre de David; e logo o poeta respondeu: mas és magrinha como o choupo onde se enlaça a vide...
António Nobre finda a carta endereçada a Montalvão, informando que na casa onde se hospedara encontrou o pai do seu amigo e médico Dr Mark Athias, e o Conde de Resende, cunhado de Eça de Queiroz e casado com uma madeirense, que lhe pareceu um homem muito simpático e inteligente. Conversamos muito, ele é muito lido. Também aqui está uma minha Pobre Tísica. Mal eu diria! É uma irmã do D. Caetano de Bragança, que vivia no Convento das Comendadeiras de Santos. Conheces? Tem 23 anos, coitadinha!; e chamava-se Maria José de Portugal e Castro. No Funchal, pela fama que tem a ares do Mar, também deparou se com o seu camarada portuense Nuno de Brito da Cunha e com o pintor Julião Machado, que tinha conhecido em Paris, ambos muito doentes.
Quando chegou à Madeira, e tal como tinha planeado, o poeta hospedou-se no Quinta Vitória Hotel, que pertencia à inglesa Sheffield, situado no Funchal na Rua da Imperatriz Dª Amélia, que era um razoável estabelecimento hoteleiro, com confortáveis instalações para vinte e cinco hóspedes. Foi também visita do Bispo e do Governador, a casa de quem, por vezes ia tomar chá.
Nos seus passeios pelos arredores passava quase todas as tardes na Quinta Almeida onde, segundo refere Feliciano Soares, «residiam as senhoras Nizas (Teles da Gama), e depois na Quinta da Penha para onde as mesmas ilustres senhoras se passaram». Em consequência dessas amiudadas visitas, António Nobre apaixonou-se por Dª Constança Teles da Gama, filha dos marqueses de Niza, a qual foi a última grande paixão da sua vida, com quem se correspondeu até morrer, e que lhe inspirou muitos poemas.
Seria talvez, essa débil e jovem fidalga que lhe inspirou um dos mais belos sonetos das Despedidas, escrito na Ilha dos Amores:

Sofrer calada as suas próprias dores
E chorar como suas as dos mais,
Tal a Rainha do seu nome, em flores
Transforma pedras e em sorriso ais.

A toda a parte leva o sol e amores,
É a Saúde dos Enfermos nos Casais;
E, no mar-alto, os velhos pescadores
Invocam-na entre espumas e temporais!

Quem será ela, tão piedosa e doce!
Com uns tais olhos que não tinha visso.
Será a Virgem! Oxalá que fosse!

Qh! flor mais bela do jardim d’esta Ilha!
Fora outrora, talvez, filha de Cristo,
Se Cristo houvesse tido alguma filha!

Alguns meses depois de assentar na Madeira, António Nobre morou, durante mês e meio, na parte alta de Santo António, numa casa descrita por Adolfo César Noronha «como térrea, muito humilde, rodeada de vinha e de outros plantios, a Oeste do Trapiche, quase no Boliqueme»; onde conviveu com a família da Condessa de Cascais que também ali esteve durante algum tempo. Lá existia uma nespereira que, um temporal derrubou há anos, na qual o poeta gravou na base do tronco o seguinte verso do Só: sede de imensa luz, como a dos pára-raios.
Todavia, a saúde do escritor continuava a piorar; e em carta escrita a 18 de Abril de 1898, lamenta a Justino Montalvão:- tenho estado muito doente com uma pleurisia: três semanas de cama sofrendo e apenas há alguns dias me levanto trémulo, convalescente... Dias bem tristes! O Conde de Resende, unicamente, por companhia, e uma hora cada dia: as restantes, só. Ler, apenas jornais. Os da terra, muito ingénuos, que de Ulyssipo nenhum recebo. Agora que eu andava com fome de leitura! Voltaire, Rousseau, vieram cair-me às mãos e nunca mais os larguei. Foi a pleurisia que mos veio tirar. Não imaginas como Voltaire é grande e divertido. A erudição que nos seus livros tenho colhido é já bastante e espero regressar ao Continente todo encadernado em sabedoria... Rousseau, já conhecia um pouco. Só daqui a uma temporada poderei de novo, com licença do doutor, recomeçar os meus estudos. Que vontade de estudar eu tenho agora!
Mostra-se ainda muito entusiasmado com a segunda edição do Só, que acabara de receber, e anota:- não suponha nada que fosse ilustrada a cores, de modo que me encantou. Os roxos, os azuis, e os vermelhos são finos, têm um pouco de mistério. Os motivos, sabes, não é verdade? Não eram todos do meu gosto: trop nationaux! Mas agora, no livro tudo esqueço, para te dizer que acho a edição muito bonita.
Termina como em quase todas as suas cartas, evocando que nunca esqueceu a sua inglesa, e lastima:- Mas há muito que não sei dela: a dificuldade de correspondência. Simpática que era!
Apesar dessas pequenas alegrias e compensações, o certo é que, impiedosamente, a tuberculose debilitava cada vez mais o poeta. Em 25 de Maio desse ano, António Nobre volta a escrever ao mesmo amigo, confidenciando:- tenho melhorado um pouco e desejo voltar a Portugal agora, e para Leça, que não sei se por sintoma de velhice me lembro continuamente, como um regresso à infância. E depois de dissertar sobre a obra de alguns escritores, e comentar a vida literária nacional, assevera ainda um pouco esperançado:- antes de retornar ao Continente planeio ir até à Guiana Inglesa, lá perto de onde anda a guerra. Vou num Voilier, de modo que será longa a viajem, 3 meses, mas penso que os ares do mar me farão um bem enorme à saúde. Levo livros, muitos livros e o Regresso para o completar: desta vez sempre irá.
Em 30 de Outubro de 1898, de novo António Nobre escreve a Montalvão, queixando-se do atraso das cartas do amigo a presentea-lo com notícias do Continente e da querida Baby. Ainda com uma réstia de esperança, confessa que se tem lembrado das lindas praias nortenhas; e acrescenta: - também não esqueci completamente a minha Inglesa, nem do Passeio Alegre, nem da velha Carlota. Tu estranhas que eu não tivesse partido, visto estar já bom... Não estou tal bom. A minha doença segue a sua evolução, a que eu assisto, e vai felizmente em melhor caminho. Mas, se Deus quiser, só em Maio próximo irei aí.
Acaba esta missiva voltando a pedir, encarecidamente, notícias, sobretudo literárias, e confessando:- não tenho mais pachorra para falar em estados d’alma – humanizei-me muito e, por isso, sou agora curioso. Satisfaz-me. Conta-me da Inglesinha, do hotel Mari Castro, do Passeio Alegre: os doentes são todos assim.
Feliciano Soares refere que, nessa época, sobretudo nos momentos aflitivos, o poeta já afirmava que «a Madeira era péssima para o seu temperamento». Apesar disso, António Nobre nunca abandonou os habituais amores platónicos; e divertia-se na Ilha, juntamente com Domingos Teles da Gama, praticando diabruras infantis contra um vizinho da casa de Santo António, para depois gozarem, à boa maneira coimbrã, com as birras e zangas desse agricultor. «Nas tardes quentes, era também em sociedade com aquele amigo que ia para a cidade, tomar sorvete – nada recomendável para o seu estado. Deixavam tudo, esperavam a primeira corsa que passasse, e para ela saltavam, vindos ambos de pé, por essas ruas fora, em equilíbrios difíceis, e, contentes, riam da sua aventura».
Naqueles dias, Nobre escreveu um madrigal dedicado às madeirenses, que esteve na posse de Dª Joana Abudarham da Câmara, no qual entoava:

São as Meninas da Ilha da Madeira
Ternas, graciosas, pálidas, ideais.
Fica- se doido, vendo-se a primeira,
Doido se fica se se vêem as mais,
Qual é a mais bela da Ilha da Madeira,
se são todas iguais?...

Em 25 de Janeiro de 1999, o poeta tornou a escrever a Justino Montalvão noticiando que o fazia de mão trémula, pois encontrava-se em convalescença duma grave congestão pulmonar. Passei no leito as minhas Boas Festas do Natal, e saí da cama (embora não para a rua) no dia de Ano Bom. Estou muito aborrecido da Madeira: ansioso para que chegue Maio para abalar para aí. Partiria ainda mais cedo se não fosse o receio de súbita mudança de temperatura. E isto, principalmente por constar se ter descoberto um remédio definitivo para esta doença.
Fala sobre a actividade literária do amigo, a favor de quem informa que tinha escrito, uma carta de recomendação a Mariano Pina; e de seguida lamenta:- de saúde não me sinto famoso - este clima das Ilhas, é mole e húmido, o que não vai comigo.
Termina a missiva muito agastado por uma crítica agressiva que Júlio Brandão lhe teria feito num jornal continental; ameaçando:- quando aí chegar, tu me dirás qual bengala preciso usar, a ser preciso.
Cada vez mais enfraquecido, voltou a escrever-lhe, em 22 de Abril desse ano, referindo que estava desolado e sentia-se bastante mal. Mas conseguiste fazer - me rir e reanimar-me um pouco. Que graça achei a tudo isso! Às pernas de vitela, às colchas de damasco, aos abades, aos regedores, às regueifas! Muito pitoresco e eu, doente, muito doente, a respirar este ar da Ilha, que só tarde o soube, me ia fazendo o pior possível. Detestável clima! Quando Portugal vale mais! Mas não sabes ainda? Sigo hoje para Lisboa, daqui a três horas. Vou no Cabo Verde e esta carta vai comigo.
Já na capital, no dia 3 de Julho de 1899, António Nobre tornou a escrever a Justino Montalvão, triste pelo amigo não ter podido esperá-lo no cais de desembarque. Habituado das mais vezes, dos outros meus regressos, a encontrar-te sempre o primeiro ao meu lado e, agora, só, só, só! Á vista te contarei quanto me tem acontecido, desde que cheguei da Madeira, e os sítios, nos arredores de Lisboa, onde procurei assentar a minha tenda de Beduíno errante». Cita ainda Taine para invocar que só conhece a vida quem um dia esteve à beira do suicídio, ou da loucura, (...) talvez um amor me retenha, me dê coragem para a Vida. O que me têm feito! O que me tem acontecido! Todos a fugirem da minha tosse... Deus castigou-me. Vou para o Douro. Deus me dê forças! Conversaremos, na Foz. Abraça-te o teu amigo, António.
A doença prostrava cada vez mais o poeta, e o desespero era dramático, como confirma um poema, de sabor nostálgico, escrito no Funchal, e que transcrevemos das Despedidas:

Vários poetas vieram à Madeira.
(Pela fama que tem) a ares do mar:
Uns pr’a breve voltarem à lareira,
Outros, ai d’eles para aqui ficar.


Esta ilha é Portugal, mesma é a bandeira,
Morrer nesta ilha não deve custar,
Mas para mim sempre é terra estrangeira.
Á minha pátria quero, enfim, voltar.

Ilhas amadas! Céu cheio de luas!
Ah como é triste andar por essas ruas,
Pálido, de olhos grandes, a tossir!


Eu vou-me embora, adeus! Mas volto a vê-las,
Vou com as ondas, voltarei com elas,
Mas com elas, p’ra tornar a ir!

Inexoravelmente, tudo se encaminhava para que no dia 16 de Agosto de 1867, António Nobre perdesse a vida, com apenas 33 anos - a mesma idade com que Cristo expirou na cruz. O seu irmão Dr. Augusto Nobre, refere:- «nos últimos meses veio para o Porto, ainda foi para o Seixo, a nossa aldeia, donde partiu, então, malíssimo, já ao colo. Voltou à Foz. Na véspera do António morrer, estive com ele até tarde, deixando-o bem disposto. No outro dia de manhã, fui vê-lo. Era tal o seu estado, que fazia doer a alma. Parecia que estava à minha espera. Abraçou-me e sem agonia, sem um movimento aflitivo, deixou-nos para sempre». Na antevéspera ainda escrevera:- incharam-me os pés e as mãos, perdi, de todo, o apetite e sustento-me de leite, de manhã e, pelo dia adiante, duma colher de sopa de Madeira.
Seria, assim, o generoso vinho da Ilha da Madeira, o seu último alimento. Também os madeirenses, nunca esqueceram aquele poeta gentil, talentoso e infeliz, que deambulava pelas ruas do Funchal, pálido, de olhos grandes, a tossir e a quem chamavam O Messias da Poesia Moderna.
Em 1927, a Câmara Municipal deliberou dar o apelido do escritor ao jardim junto à Ponte do Ribeiro Seco; e em 1941, a cidade do Funchal voltou a homenagear António Nobre, com um ciclo de conferências sobre a sua obra, e inaugurando a estátua em bronze do busto do poeta, que foi levantada nesse jardim que lhe ostenta o nome.
Na cerimónia da implantação daquele monumento, o académico Feliciano Soares terminou a calorosa conferência de homenagem a António Nobre, exclamando:- «tu és também desta terra ó poeta da Bondade quase Santa, porque esta Ilha é Portugal, mesma é a bandeira.
E, muito emocionado, enfatizou:- «Quantos dos que passam, não virão, agora, aqui, rezar a Ladainha das Dores e das Saudades, no teu missal – O Só».

Mas tende cautela, não vos faça mal...
Que é o livro mais triste que há em Portugal!...

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