segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Processo Revolucionário na Madeira Após 25 Abril


No decurso de todo o período da «Governação Provisória», conhecido por «PREC», grassou uma profunda instabilidade económica, política, e social em todo a País. Porém, no arquipélago da Madeira, as forças reaccionárias, nomeadamente alguns empresários, grandes senhorios, a ala direita do CDS e do PPD, retornados e ex-legionários, todos com a conivência do bispo Francisco Santana, praticaram acções violentas e até atentados bombistas contra os progressistas, os socialistas e os comunistas, tal como aconteceu em certas zonas do Continente, mas muito agravado, na Madeira, pela actividade terrorista dalguns separatistas da «Flama», que diziam lutar pela independência das Ilhas, mas que bem no fundo o que desejavam era «separar-se» das conquistas progressistas geradas pela Revolução de 25 de Abril de 1974.
Paralelamente, a extrema-esquerda maoista, que na Madeira teve alguma expressão, enveredou por um modelo populista, radical, e aventureirista, extremando a situação, e criando um clima explosivo que, obviamente, intimidou grande parte da classe média insular e até a maioria dos trabalhadores do campo e da cidade. Vejamos alguns exemplos:

Sabemos que logo em 26 de Abril de 1974, a «Junta de Salvação Nacional» demitiu e deportou para a Madeira o Presidente da República fascista Américo Tomás, e ainda Marcelo Caetano (Presidente do Conselho de Ministros), Silva Cunha (Ministro da Defesa), e César Moreira Batista (Ministro do Interior).
Por esse facto, e também por durante algum tempo continuarem, formalmente, em actividade as autoridades salazaristas, e soltos os agentes da «PIDE»; muitos democratas e os activistas da esquerda madeirense mostraram-se agastados, e na grandiosa manifestação realizada no dia Iº de Maio de 1974, exerciam vivamente o direito à indignação aos gritos de «Não Somos Caixote do Lixo!» «Marcelo, Tomás & Cª Fora da Madeira!»

Em Câmara de Lobos, durante o mês de Maio de 1974, verificaram-se turbulentas manifestações populares contra a manutenção de alguns agentes da PSP no serviço da esquadra policial da vila, e também reivindicando o saneamento de dois funcionários das Finanças locais.
Idênticas movimentações aconteceram nesse mês, na Calheta, mas com o móbil de sanear o chefe da Secretaria da Câmara Municipal.

Pouco depois, em Junho de 1974, o «Decreto-Lei 217/74» aumentou o salário mínimo nacional para 3.300$00, congelando as remunerações superiores a 7.500$00. Essa legislação tardou a ser aplicada na Madeira, o que determinou muita agitação e protestos dos trabalhadores, que se manifestavam com virilidade e energia, enquanto saneavam as direcções dos Sindicatos fascistas e das Casas do Povo.

Até que, na noite de 3 de Outubro de 1974, alguns elementos da «UPM», numa actividade que classificavam como fazendo parte da luta contra o imperialismo, encabeçaram uma volumosa manifestação no molhe da Pontinha, onde o iate «Apollo» estava fundeado e encostado, acusando os oficiais e os tripulantes daquela embarcação, de estarem ao serviço da «CIA», contra a Revolução do 25 de Abril. De forma inflamada, reivindicavam que o navio abandonasse, imediatamente, o porto do Funchal; e aos gritos de «Abaixo a CIA», e «Abaixo o Imperialismo», esse grupo de exaltados invadiu o «Apollo», onde destruíram muitos bens de equipamento, chegando ao ponto de atirar pela borda fora tudo o que podiam, nomeadamente automóveis e motas que se encontravam a bordo.
De seguida e já de madrugada, um punhado significativo de manifestantes, assaltou os escritórios da «CINDUSTA», que estava ligada às actividades pouco claras daquela embarcação, e revistaram todos os documentos que aí encontraram, na busca de provas da sua ligação ao imperialismo americano, e à espionagem da «CIA».

Novamente, em 21 de Outubro de 1974, a «UPM», desta vez com o apoio do «Sindicato da Construção Civil», realizou uma poderosa manifestação, na qual muitas centenas de trabalhadores, com a roupa de trabalho, capacete na cabeça, alavancas e demais ferramentas na mão, desfilaram no centro do Funchal, gritando palavras de ordem contra a exploração capitalista e o imperialismo, tudo numa postura belicosa e ameaçadora, que assustou grande parte da população.
Nesse dia, a manipulação dos trabalhadores contra o «PCP» foi tão clara, que chegou ao ponto dalguns activistas esquerdistas, apesar do perigo eminente de confrontação física, terem encaminhado o cortejo para a Rua da Carreira, de forma a que passassem frente à sede daquela força política, aos gritos de «Viva o Comunismo!, Abaixo o Partido Comunista Português»!.

Dias depois, em 31 de Outubro de 1974, de novo elementos da extrema-esquerda e um grupo de professores e alunos do ensino secundário, ocuparam o majestoso edifício ´do «Seminário Menor», situado no Funchal na Calçada da Encarnação; argumentando que naquele prédio já não se realizava qualquer tipo de actividade, e que o povo funchalense necessitava daquelas instalações para a actividade escolar, pois grassava a iliteracia e faltavam estabelecimentos para ministrar o ensino público.
O bispo Francisco Santana, com grande sentido oportunista, imediatamente aproveitou esse censurável acontecimento para implementar a sua feroz cruzada contra a esquerda madeirense, pese o facto de em 12 de Maio de 1974, ou seja cerca de seis meses antes, ter abolido as aulas no «Seminário Menor», com a justificação que o Papa desejava que os jovens iniciassem os estudos liceais perto da família e das suas casas. Então, o bispo denunciava que tem havido muitos rapazes que entram no Seminário só por causa dos estudos e nunca pensaram em ser sacerdotes, e assim levam uma juventude de mentira e hipocrisia.
Contudo, quando se verificou a aventureira ocupação do Seminário, Francisco Santana, que nunca tinha anunciado que pretendia instalar o que quer que fosse naquele edifício, aproveitou esse facto para informar no «Jornal da Madeira», que a Igreja necessitava do imóvel, para aí instalar uma série de serviços religiosos e Comissões Diocesanas. Depois simulou que tinha ficado refém dos autores da «ocupação selvagem», que o mantinham «em prisão domiciliária»; e para culminar o dramatismo e provocar a revolta dos católicos, o bispo apadrinhou um violento comunicado, aparecido no dia 1 de Novembro, onde entre outras atoardas bolsavam: - «Querem tirar-nos o Seminário da Encarnação, alegando falsas razões. O nosso Bispo foi obrigado a ceder, depois de insultado e humilhado durante uma noite inteira, preso na sua própria casa. (...) Precisamos do Seminário Menor!!! Não podemos deixar o nosso Seminário que tantos sacrifícios custaram ao povo católico da Madeira».
Neste clima de grande crispação e até ódio, os reaccionários, e a maior parte dos párocos da cidade e dos campos, convocaram uma concentração para a Sé do Funchal, onde se juntou mais de um milhar de fanáticos, prontos a iniciar «a caça às bruxas», e a expulsar os comunistas da Madeira, tal como já havia acontecido nos Açores.
Imediatamente, o autor destas linhas, comunicou esses perigosos acontecimentos ao Coronel Lacerda, militar conservador mas honrado, que estava de serviço no «Palácio de São Lourenço», o qual, ao comando duma pequena força militar, dirigiu-se à Catedral, onde com muita coragem e tacto conseguiu desmobilizar os provocadores, evitando o banho de sangue que estava planeado.
Seguidamente, ao ouvirmos que um reaccionário locutor da «Estação Rádio Madeira» convocava a população para dirigir-se à Sé e correr com os ocupantes do Seminário; dirigimo-nos ao Pico Barcelos e, sozinhos, ocupamos essa emissora, apossamo-nos do microfone, e pedimos para as pessoas ficarem nas suas casas e evitarem desnecessárias violências.
Resta-nos informar que a prova de que o bispo Francisco Santana nunca precisou do edifício do Seminário, reside no facto de pouco tempo depois destes acontecimentos ter arrendado o prédio ao Governo Regional do seu aliado Dr. Alberto João Jardim, que aí instalou a «Escola Bartolomeu Perestrelo».

A vigorosa acção política e reivindicativa, de sinal popular, mas esquerdista, que se desenrolou em Machico, logo após a Revolução de 25 de Abril, não foi aceite pelo ultra-conservador bispo Francisco Santana, que em 5 de Novembro de 1974, auxiliado por forças policiais, tentou expulsar o padre Martins Júnior da Igreja da Ribeira Seca, onde era pároco.
Porém, os paroquianos lutaram arduamente, e nunca cederam, nem a Santana, nem à polícia, sendo que durante mais de duas semanas multiplicaram-se os protestos, a agitação, as violências, e até uma melindrosa manifestação junto ao «Paço Episcopal» onde chegou a rebentar uma bomba; acabando por se tornar invencível o apoio da população ao sacerdote, que continuou à frente da igreja da Ribeira Seca.
Restou ao bispo Francisco Santana alimentar uma feroz conflitualidade contra o padre Martins, que chegou a ser suspenso «Ada Divinais», embora sem qualquer resultado prático, pois continuou a ter actividade política e a ministrar os sacramentos religiosos.

Influenciado pela agitação fomentada pela extrema-esquerda, em 1 de Março de 1975, um grupo de militantes do PS, com o fim de instalar a sede do seu Partido, ocupou um edifício antigo e vazio, no centro do Funchal, que pertencia a um Banco.
Essa aventura foi imediatamente aproveitada pela direita madeirense, e pelo Bispo Santana, para caluniar toda a esquerda, acusando «que não respeitavam a propriedade privada»; ao mesmo tempo que assustavam as populações propalando a iminência de novas «ocupações selvagens»...
Assim, aquele acto precipitado dos militantes do PS prejudicou as forças democratas, e foi aproveitado pelo bispo Francisco Santana para intensificar a sua cruzada anti-comunista. Os danos só não foram maiores, em virtude de antes daquele acto aventureirista, o «Partido Comunista Português», de que o autor era dirigente, cumprindo todas as formalidades legais, ter arrendado aos legítimos donos, as suas sedes do Funchal, de Machico, e da Ponta do Sol.

O bispo Francisco Santana, servindo-se da Igreja, da Religião, e apoiado pela esmagadora maioria dos párocos, continuou a combater de forma sistemática a esquerda madeirense. Assim, em 12 de Maio de 1975, durante uma peregrinação ao Terreiro da Luta, alarmava com o maior impudor «que um socialismo marxista, onde se escondem habilmente os agentes do comunismo internacional, pretende assaltar o Arquipélago da Madeira, para o colonizar»; chegando ao extremo de insinuar que Kadafi preparava-se para ocupar a Madeira.
E em 31 de Dezembro de 1975, fazendo claramente o jogo da «Flama», o bispo Santana reincidiu na calúnia, e escreveu «que o povo madeirense, agitado durante o último ano por aventureiros manipulados contra a vontade do Povo, estará condenado a ser uma província do novo Ultramar Português, ficando reduzido a uma colónia que pouco ou nada conta para a mãe Pátria, a não ser para lhe fornecer muito do seu sangue e trabalho».
Como é óbvio, todo esse «veneno» alarmou, manipulou e extremou a grande maioria dos madeirenses, induzindo-os à prática de violências, com o fim de exorcizar o chamado perigo do comunismo.

Em 16 de Julho de 1975, a «UPM» convocou os seus militantes e simpatizantes para uma grande concentração na sede que tinham ocupado na Rua do Castanheiro. Segundo comunicaram, o motivo dessa reunião era alertar «o povo da Madeira para uma possível intentona fascista, e para as manobras provocatórias do falso partido socialista, representante do imperialismo americano, que a pretexto da defesa das liberdades está fazendo o jogo dos fascistas do PPD e do CDS, criando condições propícias a um golpe fascista».
Como é evidente, este radicalismo da «UPM», em contraponto às acusações alarmistas do bispo Santana, apavorava uma boa parte da população, sobretudo a classe média, afastando-os de participar no processo democrático.

Encorajada, a «Flama» multiplicou os atentados bombistas contra os militantes da esquerda, e contra as instituições e bens do estado democrata, tais como os transmissores do «Centro Regional da Emissora Nacional», a ala poente do «Palácio de São Lourenço», um avião militar que estava estacionado no aeroporto, o «Tribunal de Trabalho», e uma ponte em Santa Cruz por onde estava destinado passar o Primeiro-ministro Almirante Pinheiro de Azevedo, que estava de visita à Madeira. Potenciando o clima de violência e confusão, também estoiraram bombas na «Empresa de Cervejas da Madeira», e até nos jardins da «Câmara Eclesiástica»...
Cientes da impunidade, na manhã do dia 29 de Setembro de 1975, um grupo de operacionais flamistas, apoiaram Consuelo Santos, que em pleno dia, armado de martelo, e ao som dos aplausos dos seus correligionários, destruiu a palavra «Totta» do letreiro do «Banco Totta & Açores – Banco da Madeira», situado na Rua do Aljube do Funchal. Desta vez, o delirante objectivo dos terroristas era transformar essa unidade bancária, num Banco da Madeira, emissor do «Zarco» – a pretendida moeda do Estado Independente madeirense.
Aproveitaram ainda o ensejo, para exigir o saneamento de alguns trabalhadores bancários democratas, entre eles o gerente Franklim Lopes, militante do MDP/CDE.

Em 7 de Outubro de 1975, outro numeroso grupo de flamistas e de retornados das ex-colónias, de mistura com empresários da extrema-direita; com a cumplicidade de quase todo o comando da «Polícia de Segurança Pública», e ainda com a conivência de alguns militares da direita, ocuparam violentamente, o «Centro Regional da Emissora Nacional».
Bem fornecidos de Whisky, e ao som do bailinho da Madeira, emitiram uma série de comunicados, acusando a E.N. de mentir e manipular a população, responsabilizando por esses factos os jornalistas progressistas Alberto Andrade, Henrique Sampaio, Oliveira Pires e Gualdino Rodrigues, que exigiam que fossem saneados, e substituídos por outros a seu gosto. Reivindicavam ainda a imediata expulsão da Madeira do «Presidente do Sindicato da Construção Civil», Diamantino Alturas, e dos políticos da extrema-esquerda, Milton Morais Sarmento e Padre Martins Júnior; como já antes haviam intentado contra o autor desre trabalho.
Estavam tão convencidos da impunidade, que nem se preocuparam com a segurança, e permitiram que centenas de reaccionários circulassem dentro da Emissora, com a maior à vontade. Pouco depois dessa ocupação, um pelotão de Infantaria, comandado por um aspirante continental, tomou posições na Rua dos Ferreiros e na Rua dos Netos, porém sem nunca receber ordens para intervir; chegando a ser comentado pelos populares, que afinal a tropa estava ali, apenas para «guardar as costas dos assaltantes»...
Dentro do «Sindicato da Construção Civil», para onde se dirigiram centenas de trabalhadores, incluindo toda célula do «PCP», Diamantino Alturas avisava que ou autoridade intervinha e expulsava os ocupantes da emissora, ou então seriam os próprios trabalhadores a repor a legalidade. As autoridades nada fizeram, e seis horas depois da ocupação, os operários saltaram do Sindicato e juntando-se a uma coluna de centenas de camaradas vindos das obras do Casino, violentamente reocuparam a «Emissora Nacional», provocando dezenas de feridos nas hostes reaccionárias, muitos deles tendo que ser socorridos no Hospital, onde misteriosamente desapareceram as respectivas fichas de consulta...
O autor deste trabalho, que no «Palácio de São Lourenço» reclamava a intervenção dos militares para libertar a Emissora, ouviu com alguma perplexidade, ordenarem, por rádio, ao aspirante que dirigia a força junto ao local, para que, se fosse necessário, abrisse fogo contra os trabalhadores que avançavam de peito aberto. Simplesmente, o jovem oficial, conotado como simpatizante do «PCP», após o seu pelotão ter disparado diversas rajadas de metralhadora para o ar sem conseguir deter o ímpeto generoso dos operários, ordenou a retirada, recusando derramar o sangue da gente do seu povo.
No rescaldo dessa reaccionária ocupação selvagem, os flamistas receberam a solidariedade do «PPD», que num comunicado escrevia que «em virtude do emissor se ter comportado como um pasquim vergonhoso, apoia os pedidos de saneamento dos jornalistas, desde que se desenrolem consoante as garantias legais»...

Neste escaldante ambiente, o anti-fascista, padre Martins Junior, patrocinou a criação de organismos de base revolucionária, em Machico, tais como o «Centro de Informação Popular», a «União das Bordadeiras», a «Cooperativa Povo Unido» e várias Comissões para resolver os problemas das populações e dos caseiros. Com o apoio desses instrumentos, a extrema-esquerda local realizou importantes manifestações, que acabaram por determinar, que o Governador Carlos Azeredo, embora contrariado, aceitasse o pedido de demissão do contestado Presidente Provisório da Câmara Dr. José Alexandre Teixeira, e em Fevereiro de 1975, nomeasse para esse cargo o padre Martins.
Este, depressa implementou uma gestão camarária de cariz popular e populista, demarcada e contrária ao modelo proposto pelo «PCP». Então, a extrema-direita, a «Flama», e muitos senhorios por um lado, e pelo outro, os caseiros, e a extrema-esquerda, protagonizaram uma feroz luta, que culminou em 17 de Agosto de 1976, com a simulação dum julgamento popular, após terem sido detidos alguns jovens flamistas, acusados de haverem provocado desacatos, e através dos quais o padre Martins pretendia obter informações sobre a «Flama», os flamistas e a sua actividade em Machico.
Imediatamente, o Brigadeiro Carlos Azeredo enviou uma força militar, que «libertou» os rapazes independentistas, e no rescaldo dos acontecimentos, demitiu, sem apelo nem agravo, Martins Júnior da presidência da Câmara de Machico, perpetuando-se uma grande conflitualidade entre essas duas personagens.

1 comentário:

  1. Rui, tenho vários comentários a fazer, mas preciso de saber os termos de publicação.

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